Amor, doce amor?

Muitas vezes alimentamos a ilusão de que um doce amor vem substituir todos os nossos desesperos, na eloquente medida em que pensamos que não teremos mais uma sombra a nos atemorizar quando perdemos o ônibus e estamos sozinhos no meio da chuva. Muitas vezes nos iludimos que quentes abraços são promessas de uma cadeira de balanço confortável daqui a sessenta anos e que os planos de fazer piquenique no parque revelam uma personalidade alternativa intimista e absurdamente invejável. Desejamos ter com quem bater as taças, mesmo esquecendo que precisamos primeiro comprar o vinho. Esperamos que aquela montagem que fazemos nos sonhos venha quadriculamente exata na medida em que cobramos cada vez mais da gente aquela postura de princesa em final de filme americano. Os sonhos são importantes, mas nos entregamos a eles, desejamos que as meias sirvam em quatro pés e que não permitam que eles fiquem gelados. Queremos dançar uma valsa vienense e mal sabemos a localização exata da nossa mentira calculada. Queremos escalar montanhas para alcançar as nuvens feitas de algodão doce e esquecemos que o esse sentimento chamado amor é mais branco que cor-de-rosa, e afinal, abriga todas as cores e possivelmente todas as contradições, misturas, dores, exaltações. Queremos alguém exatamente como planejamos, e as vezes queremos aquele alguém, aquela pessoa infalível e depois descobrimos que nada disso faz sentido quando mudamos de quadra, de página, de sonho. E a senha da felicidade fica muito mais dentro daquilo que chamamos eu, de propriedade do que fora de nós e que às vezes é um puta saco dividir uma coberta. Mas amores verdadeiros existem sim, pessoas de uma amabilidade incrível que fazem qualquer ser humano se sentir a única estrela que brilha no céu. E quando isso acontece, o café não precisa mais de açúcar, as perguntas ficam pra depois, porque o momento é indiscutivelmente confortável e prazeroso.