Acompanhado pela morte

Já pensaram seriamente na morte? Pensamentos distantes, mas tão intrínsecos, que correm dentro de nós. Após uma vida de boémio, de disparates sem fim, comprendi aos 38 anos da maneira mais difícil a viver com a morte.

A doença estipulou e eu, naturalmente, aceitei os anos que me restam de vida. Ao saber do aprazado final, cresci mais em dois anos de vida, dos que nos restantes. Não multipliquei, ou sequer pensei em numerar os que me restam.

Apenas senti uma fome de viver, mas sem qualquer tipo de receio relativamente ao fim. Bebendo daqui e dali, vivemos então uma avidez, uma insatisfação, uma fome de saber, de conhecimento. Estipulamos então novos objectivos, desafios surgem e a perseverança nunca nos deixará sentir o sabor da derrota, delimitada pela barreira do epílogo. Redescobri e descobri talentos escondidos. Relaxo na criatividade culinária. Sem nunca antes ter cozinhado, num ápice misturo porções e ingredientes, fazendo iguarias do agrado dos comensais que me rodeiam. Converso comigo numa alegre passeio com a minha cadela, de raça husky siberiana. Uma cavaqueira perdida com os pais, sem enfado. Tudo parece uma novidade quando nunca o foi, apenas despertamos, redescobrimos, como já referi anteriormente.

Pensamentos frenéticos, nervosos, assomam à mente: vivemos para o quotidiano sem nunca esquecer o futuro, onde em algum lugar, em tempo definido, se esconde o terminús. Erradicamos erros do passado, servindo como um manual de sobrevivência para o fortalecimento do carácter. As experiências anteriores marcam o invidíduo como homem, como um todo.

Acima de tudo procuro, sim, vivenciar novas experiências, novas formas de comunicação. Acabar tarefas inacabadas pela ingenuidade, revolta e irreverência da juventude.

Muitas amizades surgem, entretanto, seduzindo-nos e levando-nos a aceitar todas as formas de credo, ideais, de vida. O respeito pela liberdade de pensar dos demais, mesmo que tal não vá de encontro aos nossos princípios. A aceitação benevolente, mas de cabeça erguida, sabendo caminhar por estradas sinuosas e ultrapassar os obstáculos que surgem ou irão surgir.

Seria mentiroso se não afirmasse, igualmente,que procuramos ainda uma redenção pelos erros cometidos junto dos que amamos, e que tantas vezes desiludimos ao longo dos anos vividos.

Como afirmavam filósofos na Grécia antiga a vida não passa de uma preparação para a morte. Sabiamente encaramos cada acordar como uma divindade para esgotar até ao máximo. O limite, esse está dentro de nós, somos quem o pratica, quem o define.

Kadú
Enviado por Kadú em 02/11/2006
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