"Pai-Nosso: uma interpretação gnóstica", por Marcelo Moraes Caetano

Vários foram os mestres que habitaram o planeta para nos dar um vislumbre da Luz da Consciência. Sempre abnegados em relação às suas próprias vidas, esses grandes sábios encheram o mundo com a Verdade e, muitas vezes, foram incompreendidos no momento em que pisavam o solo do orbe terrestre, já que seus conhecimentos, no geral, são muito mais complexos do que a vida cotidiana dos homens e mulheres comuns é capaz de reconhecer como válidos.

Legatários da mais antiga tradição esotérica, esses Mestres quase sempre foram martirizados: crucificados, amordaçados, supliciados. No entanto, suas vozes, ao invés de se calarem com os flagelos, tornaram-se ainda mais fortes e vibrantes, ecoando através dos séculos, indo diretamente aos ouvidos abertos para ouvi-las. Com isso, faziam valer um dos princípios herméticos: "A voz da sabedoria está aberta aos ouvidos do conhecimento". Também levaram em conta “a voz do silêncio”, que Helena Blavatsky tão belamente expôs em obra homônima.

A oração ensinada pelo Mestre de Nazaré, por exemplo – conhecida na grande tradição cristã como o “Pai-Nosso” –, é uma das mais ricas e sintéticas fontes de conhecimento esotérico.

Vamos fazer uma breve interpretação de suas palavras à Luz da mais longa tradição Teológica do planeta, que é comum às filosofias esotéricas mais antigas, como a egípcia, a atlante, a essênia, a grega, a hindu, a xamânica, as africanas, a islâmica, a cristã etc. Respeitando-se o princípio de que se deve “dar leite às crianças e carne aos adultos”, esta interpretação é breve exatamente porque se propõe dizer apenas o que for inteligível até aos não Iniciados.

Vamos aos versos da oração ensinada por Jesus:

“Pai Nosso, que estais nos céus,

Santificado seja o Vosso Nome”.

Nesse primeiro dístico, vemos a invocação ao grande Deus, o Cosmo, o Criador Supremo, que pode ter seu “Nome” (verso 2) evocado como Jeová, Alá, Olorum, Urano, Zeus, Brama. Repare que, na oração, ao Pai não é dado UM ÚNICO NOME específico, mas diz-se “santificado seja o Vosso Nome”, exatamente porque este nome muda de acordo com as tradições espirituais, religiosas, mas o princípio criador é exatamente o mesmo. Assim, qualquer que seja o “nome” dado, de acordo com as diferentes tradições, todas elas nascentes de um mesmo e antiquíssimo Conhecimento Esotérico, tal Nome será “Santificado” (v. 2). O “céu” do verso 1 demonstra a fonte de criação, o infinito do universo que circunda e abraça o planeta Terra, enchendo-o do Raio número 1, o da Criação. E é exatamente por isso, por representar o primeiro Raio, que essa evocação é feita no primeiro verso. O Autor da oração não colocou a evocação suprema no primeiro verso à toa. Já no verso 2, somos ensinados, sabiamente, que o “nome” não é o mais importante. Se Jesus quisesse uma única nomenclatura para o Grande Criador, não teria dito “Santificado seja o Vosso Nome”, mas, em vez disso, teria dito QUAL Nome seria o único “adequado”, coisa que não fez. O segundo verso é a grande lição de ecumenismo de Jesus: se você louvar a Criação Cósmica, seja qual for o nome que lhe der, ele será santificado.

Continua a oração:

“Venha a nós o Vosso Reino,

Seja feita a Vossa vontade”.

Neste dístico, há a grande lição da Entrega. Nós, seres humanos, e todos os seres, animados ou inanimados, que habitamos a Terra, não conseguiremos atingir o estado de beatitude e consciência sozinhos, por nós mesmos. Precisamos que o Amor da Criação, ele sim, venha até nós. Somos incapazes de criar uma força tão tenaz e ampla que consiga, por si só, nos elevar à altura da Luz Suprema. Então, só na Entrega à força e ao Raio da Criação (que ocorre após o reconhecimento de sua existência, não importando o seu nome, como vimos), só nessa Entrega se encontra a nossa Salvação. Se não reconhecermos a força infinita que, desde sempre e para sempre, existiu, existe e existirá, não somos capazes de fazer nada. Temos, então, um convite e uma exortação à Fé, à mesma Fé que “é capaz de mover montanhas”.

Esses dois primeiros dísticos nos remetem ao que poderia ser chamado de Caminho do Monge, ou o Primeiro Caminho. Nele, que foi mostrado, por exemplo, por Gurdjieff, devemos nos entregar, ainda que sem conhecimento total de como ou de por quê, à luz da Criação, com Fé e sem preconceitos limitantes, ao aceitarmos que o “Nome” da Criação não é tão importante, desde que saibamos que Ela existe e que está disponível a todos os que se predispuserem à Entrega. No Primeiro Caminho, que no tarô é o do primeiro Arcano Maior, ora o Louco, ora o Mago, somos impelidos à Entrega incondicional à força infinitamente maior do que todos nós. Sem essa primeira entrega, que, quase sempre, se dá no escuro, porque ainda não sabemos qual a sua origem e qual o seu fim, não seremos capazes de evoluir sequer um único degrau da Escada de Jacó. Por isso, é o caminho do Monge, é o caminho do Mago – mas também é o caminho do Louco, como nos lembra o tarô. Sem essa primeira loucura, nada será feito. Essa loucura é semelhante ao caos que precede a organização hierárquica e divina da Criação. Se não começarmos, igualmente, pelo caos do não Entendimento, substituído pela força da Fé da Entrega, nada será feito. Permaneceria o homem estagnado em sua vida comum.

“Assim na Terra como no Céu”.

Temos aqui o grande princípio hermético da analogia ou da equivalência: “O que está em cima é análogo ao que está embaixo”. Isto é, o Raio da Criação, presente no “céu” (do verso 1 e deste verso de agora) é análogo ao raio que habita em nós. Somos potencialmente deuses (mas não somos Deus, o que seria soberba, como veremos abaixo, há ANALOGIA, não SINONÍMIA), podemos, com a Consciência, PARTICIPAR da grande responsabilidade que é a Criação Cosmológica. O primeiro verso do “Pai-Nosso” evoca a presença de Deus no Céu, o Pai. Agora, mostra-se a presença de Deus na Terra, o Filho. Este Filho, além de Jesus, é também todos os grandes Mestres, e é também todos os que se propuseram seguir os conhecimentos desses Mestres em direção ao autoconhecimento, à participação cósmica e à Criação. O Filho é, também, cada um de nós que, antes como um louco, caótico, desordenado, arremessou-se à Criação, como um Monge. É importante lembrar: somos ANÁLOGOS a Deus; não somos o próprio DEUS.

“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”.

Temos aqui o Segundo Caminho, ou o caminho do Faquir, como diria Gurdjieff. Neste caminho, devemos exercitar também o corpo físico a respeitar as necessidades do Grande Caminho que escolhemos seguir. Eis a Disciplina, uma de nossas Mestras Maiores. No caminho do Faquir, somos admoestados à lembrança de que, muitas vezes, nosso corpo terá de estar devidamente “educado” a aceitar possíveis privações, e encará-las não como obstáculos, muito menos com o coração cheio de desespero, mas, em vez disso, devem ser encaradas como OPORTUNIDADES de crescimento. Assim como o ginasta precisa se exercitar TODOS OS DIAS, assim também o Caminhante precisa, “cada dia”, “hoje”, aqui e agora, de sua dose de exercício. Jesus passou 40 dias no deserto, sem pão e sem água. Estava mostrando-nos o Caminho do Faquir. Voltaremos aos 40 dias de Jesus no deserto (semelhantes aos 40 dias do dilúvio de Noé, numa das consolidações de que o Evangelho de Jesus veio, de fato, confirmar o Antigo Testamento, em suas bases de ensinamento supremas), e como a Lição do Deserto também sintetiza o ensinamento dos Caminhos complementares à evolução na Terra, que são factíveis àqueles que se propõem à caminhada.

“Perdoai-nos as nossas ofensas,

Assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido.”

Nesse trecho, temos claramente a libação do Terceiro Caminho, o Caminho do Yogue. Nele, devemos, pela faculdade da Razão, unida à Fé e à educação do Corpo, entender que o “perdão” é algo que nós, e somente nós, somos capazes de vivenciar dentro de nosso Ser Maior, que está em contato com o Criador. Eu só posso me sentir ofendido se eu permitir que a ofensa me macule. Sem minha permissão, consciente ou inconsciente, a ofensa não existirá. Assim como ensina o Antigo Testamento: “Quem com ferro fere com ferro será ferido”. Só eu posso me ferir com o ferro que eu mesmo envergo ou permito que chegue a mim. E, se a ofensa me atingiu, PORQUE EU PERMITI, só eu, somente eu posso me curar dela com o AUTOPERDÃO. Este dístico (“Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido”) é o grande ensinamento do autoperdão, o mais difícil de ser adquirido, até porque é o único que verdadeiramente existe. Quando imploramos ao Pai que “perdoe as nossas ofensas” (que, repita-se, foram cometidas contra nós mesmos e após nossa própria permissão pessoal), imediatamente somos seriamente lembrados de que as “ofensas” que o Pai deve perdoar precisam ser, antes, perdoadas em nós mesmos e por nós mesmos, “assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido”. E quem nos têm ofendido e impedido nossa evolução? O Yogue acusa: ninguém senão nós próprios. Ninguém mais tem esse poder.

Como vimos, até aqui, foram necessários os três corpos astrais: Espírito (o Monge que entra em contato com o Criador), Corpo Físico (o Faquir, veículo que permite a evolução no solo terrestre) e Alma (o Yogue, elemento regulador que equilibra o Espírito e o Corpo Físico).

“Não nos deixeis cair em tentação,

Mas livrai-nos do mal”.

Aqui, vemos o que Gurdjieff chamaria de o Quarto Caminho, ou o Caminho da Autorrecordação. Recordar-se de si mesmo significa que devemos recordar que não “pertencemos” ao mundo terrestre, mas que estamos aqui, com trabalho, mas também com graça e leveza (porque, afinal, “o jugo é leve e o fardo é suave”), a fim de obtermos a evolução da Consciência e da Participação no Cosmo. A “tentação”, em que NÃO QUEREMOS cair (nossa vontade, o que também expressa nosso livre-arbítrio, já que somos nós que decidimos se queremos ou não seguir o Grande Caminho), implorando para que Ele, Deus, não nos "DEIXE cair”, pois sem o Grande Auxílio não conseguiremos nada, é a tentação da ilusão das atribulações da vida, que criam a ilusão de que esta vida é, em si mesma e por si mesma, o grande fim, a grande finalidade.

Os discípulos de Gurdjieff e de Blavatsky ensinam que esses dois Mestres falavam que as formigas são um protótipo de sociedade “fracassada”, exatamente porque acreditou que o trabalho e as “missões” sociais eram suficientes e necessárias à existência. Um fim em si mesmo, que, de fato, levou ao fim das POSSIBILIDADES de OPORTUNIDADES de EVOLUÇÃO. Temos uma microlição ao alcance de nossos olhos: tudo no Universo conspira a favor de quem quiser enxergar e evoluir.

Neste ponto é que podemos apontar que a teoria de um Karl Marx, por exemplo, é altamente ilusória, apesar de encerrar total coerência e verossimilhança, porque, para esse teórico, a mera consciência da alienação e dos mecânicos modos de produção sociais, imbuída de uma simplória práxis “transformadora”, que não ultrapassa o âmbito social, seria a finalidade da vida na Terra. Quando Marx delegou ao capital o poder de “deus”, acima de tudo e de todos, única entidade capaz de realmente movimentar as “engrenagens” humanas, ele se contentou a comparar o homem exclusivamente a uma máquina (algo que o homem de fato é, mas NÃO SÓ), ou a uma formiga, que deveria tão somente tomar ciência de sua condição de mão de obra subjugada a um sistema maior e inverter essa condição, tornando-se, em vez de subjugada, a própria “subjugadora”, num pêndulo interminável, numa “luta de classes” sem fim, e, segundo essa visão, “os oprimidos de ontem tendem a ser os opressores de amanhã”, como disse o poeta Hölderlin, muito antes de Marx.

Em outros termos, Marx diz coisas corretas, mas erra brutalmente ao acreditar que as coisas que diz são a grande finalidade humana. Por não ter se entregado à Mão Suprema, Marx perece como formiga num formigueiro: a luta de classes o levou direto ao furacão do nada.

Essa é a grande tentação, e devemos implorar incessantemente para que nela não caiamos: a ILUSÃO do mundo do trabalho, das atividades, do fazer por fazer... A Obra não é nossa, não estamos aqui para nós e exclusivamente por nós. A Criação é que nos justifica.

O “mas livrai-nos do mal” é a consumação da LIBERDADE: “livrai-nos”. A liberdade a que um Caminhante aspira é exatamente a liberdade proveniente da autorrecordação, lembrar-se de que ESTAR na Terra não significa FICAR na Terra, ou SER da Terra, erro cometido, repita-se, por Marx e seus seguidores estritos. O “mal” é a ilusão do mundo.

Jesus, no deserto, foi submetido a três tentações advindas do “mal”, isto é, todas elas remetendo a possíveis quedas em ilusões do mundo materialista: o demônio lhe sugeriu que ele, Jesus, “provasse” o seu poder, atirando-se do penhasco (a tentação do Espírito, poder terreno, da soberba, e de achar-se que se é igual a Deus); em seguida, sabendo que Jesus tinha fome e sede, ofereceu-lhe pão e água (a tentação do Corpo Físico, dos prazeres terrenos, e da saciedade física como um fim em si mesmo); e, por fim, ofereceu-lhe todos os reinos e riquezas da terra, se Jesus, prostrando-se, adorasse ao demônio (a tentação da Alma, da razão, de ver apenas o que está mais próximo e óbvio, de escolher o caminho mais fácil e condenar o fiel da balança à perdição eterna; repare-se que Jesus deixaria de viver na marginalidade, como vivia, e passaria ao poder legalmente constituído, deixaria de ser "oprimido" para ser "opressor").

Jesus resistiu às tentações e ficou livre (liberdade) do mal (ilusões), respondendo, respectivamente: “Não tentarás ao Senhor teu Deus” (reconheceu a existência de um Deus Superior, não caindo na ilusão da soberba do Espírito); “Nem só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que vem de Deus” (voltou-se ao Caminho do Faquir e verbalizou que o Corpo está subordinado à Vontade Suprema da Palavra e das Ordens de Deus, e não o contrário, escapou da ilusão do Corpo); “Amarás ao Senhor teu Deus, e só a Ele prestarás serviço” (demonstrou que o “serviço”, o trabalho na terra é pura ilusão se não for exclusivamente à Vontade do Criador, e que essa ilusão não passa de areia e pó – como de fato o demônio se desfez em pó após essas palavras do Mestre Jesus – caso não seja motivada e movida pelo Amor ao Criador; saiu ileso da ilusão da Alma).

Assim, o corpo místico da oração do “Pai-Nosso” ensina-nos, de maneira muito sucinta, e aberta apenas aos que tiverem ouvidos de ouvir e olhos de ver, retirados os sete véus de Ísis ou ouvidas as sete últimas palavras de Jesus na Cruz (libertando-se definitivamente da matéria), diante da Virgem Maria, a nossa missão verdadeira, sem ilusões e sem doutrinas estranhas que nos afastem do Caminho.

Iniciar-se é dar o primeiro passo no Caminho. Depois de dado, nossa responsabilidade é muito maior. Porque, enquanto "não sabíamos o que estávamos fazendo", não éramos totalmente responsáveis, e a cruz, matéria pura, não transcendia em espírito. Depois de iniciados, somos responsáveis por esse grande salto quântico.