DA RETÓRICA À “ESCUTATÓRIA”: EIS A PSICANÁLISE

No ocidente racionalista antigo e clássico, onde a filosofia surgia rompendo com os determinismos míticos surgia a idéia de fala, do racional, do logos e da razão enquanto fundamental realidade estruturadora do novo ethos humano.

A idéia de linguagem enquanto fala organizada harmonicamente e ordenada imperou durante séculos afins. A arte do convencimento, chamada retórica, coincidia com a arte de bem governar a pólis na ágora. A fala foi o modo privilegiado de sofisticar e perpetuar a razão ocidental em contraposição ao sensível, o irracional e o volitivo. A retórica, na modernidade, se tornou a grande ferramenta para o acesso ao poder e opressão de boa parte das pessoas em regimes totalitários, e, porque não dizer também nas pequenas convivências entre as pessoas.

A psicanálise surge no século XIX em meio ao cientificismo racional e antropocêntrico. Surge também no contexto racional iluminista de uma razão demonstrativa. Diferentemente do processo de fragmentação das ciências, a psicanálise não se contenta simplesmente com a fala no seu sentido estritamente moderno – enquanto construção racional e ordenada de palavras que exprima uma idéia – mas vai além das construção e da racionalidade subjacentes. Quer ir ao sentido originário e originante da fala; na verdade quer atingir o desejo humano. Ela se distância da retórica e finca suas raízes na “escutatória”.

É no ouvir atento, silencioso, interpretante e interpelador que o psicanalista perpetua a tradição “freudiana” no seu divã de cada dia. A psicanálise não é a arte do convencimento na pólis contemporânea. É a arte da “auscultação” no divã. Cada sessão é a única e irrepetível no sentido amplo. Todo paciente é o “germe” embrionário de um sempre novo ethos psicanalítico. As inúmeras hipóteses freudianas de todas e variadas correntes são re-vivenciadas dinamicamente em cada experiência vivida consciente ou não. A originalidade psicanalítica não vem de sua novidade histórica ou teórica, mas de sua possível efetivação brotando do infinito e virtual inconsciente que se aflora pela fala.

Eis a fala e eis a psicanálise. Na fala psicanalítica o silêncio é o grande aliado. O silêncio dita o ritmo da fala e não esta sobre o silêncio. A linguagem muda do silêncio é a possibilidade do acesso ao mais profundo e vasto onde encontra-se as contradições que são a possibilidade de mudança por meio da conscientização.

Quanto temos que crescer olhando para a vastidão do nosso desconhecido. Sejamos “escutadores” do nosso interior para descobrir a riqueza das criações humanas originais.

André Boccato
Enviado por André Boccato em 28/07/2011
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