Pensar e filosofar



Provavelmente posso estar errado, mas não concordo com a visão de que para bem filosofar devo obrigatoriamente aprofundar minha leitura dos livros considerados seminais dos grandes pensadores que já se foram.
 
Entendo, pelo contrário, que me aprofundar nos grandes pensadores, é sim interessante, mas não para me fazer melhor pensar, e sim no tocante apenas ao aprendizado de sua historicidade, bem como do aculturamento das suas linhas e sistemas filosóficos.
 
Por mais maravilhosos que tenham sido seus insights, eles refletem problemas e interpretações datadas no tempo e no espaço. Entendo que alguns problemas básicos, nunca foram respondidos, e assim persistem, mas necessitam de novas formas de análise crítica e racional, e não devemos recair diretamente em formulas interpretativas datadas. Em segundo lugar não acredito em ninguém que se diga alinhar totalmente a uma única linha de pensar filosófico, ou mesmo que se arvore a se identificar totalmente em um sistema, pois entendo que estas linhas e sistemas filosóficos eram o pensamento argumentativo ideal e natural de um pensador em especial, em uma unidade localizada do espaço tempo que nos envolve. Somos múltiplos e complexos, e acredito improvável que nos enquadremos totalmente em uma linha única filosófica.
 
Por termos uma estrutura cerebral limitada, e por certa forma também incompleta e imperfeita, nosso cérebro possui uma grande plasticidade que é para mim uma virtude mental. Baseado nesta plasticidade, e em defeitos que acabam permitindo sermos influenciáveis, mudamos constantemente nossa interpretação e somos a cada instante do momento presente que se realiza um pouco diferente do momento presente que já se realizou.
 
Quando leio os grandes pensadores, é mais para entender a forma como eles pensavam e encaravam a busca de suas soluções, do que a necessidade de aprender como devo hoje pensar.  Algumas vezes é também tão somente para provocar minha interpretação frente a argumentação de filósofos experientes e confirmar o quanto estou seguro, se esta segurança é possível, frente a minha interpretação e análise critica e racional que estou construindo. É, também, mais para entender o momento histórico e a forma como estavam sendo encaminhadas as análises críticas ou racionais dos problemas que ora enfrento, naquele tempo e geografia específicas.
 
O pensar é livre, e assim o será por muito tempo ainda, se é que em algum momento a chegar teremos como rastrear o pensamento alheio. O pensamento só não é livre para aqueles que se omitem de pensar, para aqueles que cegamente seguem doutrinas lhes passadas, ou para aqueles eternos presidiários da imagem, para mim falaciosa, da existência de um deus onisciente, que lhes limite o pensar, por medo deste mesmo deus que sendo onipotente acabará por lhes punir por pensar todas as linhas possíveis, mesmo as mais absurdas.
 
O pensar se divide em uma parte consciente e em outra parte inconsciente, nesta última parte, mesmo nós, não somos donos deste pensar, ele segue leis e regras ainda totalmente “indesbraváveis” para nós. No tocante a parte consciente, entendo que o pensar é diretamente afetado pela nossa facilidade e domínio da língua, uma vez que o consciente segue uma linha descritiva argumentativa que se alinha totalmente a forma de falar e interpretar esta mesma fala. Esta é uma das grandes razões para que cobremos uma escola forte, quanto melhor me expresso e quanto melhor interpreto, melhor penso, na nossa parte consciente do pensar, ou pelo menos é assim que entendo o meu pensar. Não posso garantir que todos pensem conforme eu, mas como entendo que o cérebro segue uma linha neural básica produzida pelo genoma pessoal, e ajustada conforme o meio e as informações externas que recebemos, acredito que no fundo nossa linha de pensar seja muito parecida, o que varia é o que pensamos e as linhas dedutivas argumentativas que aplicamos.
 
Nem todo pensar é filosofar, mas todo filosofar envolve pensamento, mais ainda quando filosofamos no silêncio de nós mesmos. Por isto devemos ter a ousadia e a coragem de pensar e aprofundar conscientemente nosso filosofar, posto que ainda é um ato totalmente discreto e que nos ajuda a nos conhecer em mais detalhes, a saber até onde somos realmente capazes de irmos e de encontrar respostas racionais e/ou críticas para certos pensares que podem nos envergonhar como humanos. Tenho pena apenas daqueles que por medo, preguiça ou temor a um ser onisciente se abstêm de aprofundar suas análises críticas e racionais de temas polêmicos ou mesmo daqueles temas que nos envergonhariam em público. Pensar é livre e secreto, e nos ajuda a sabermos melhor, apesar de nossas variações, o que somos e até onde realmente somos capazes de chegar.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 31/08/2011
Código do texto: T3193349
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