Para coexistir basta fingir

* Você nunca vai conhecer um ser humano tão hipócrita quanto si mesmo. Porque dos outros só sabemos o que é permitido, o que os olhos alcançam e a percepção capta. Absorvemos falas, tonalidades, gestos, pensamentos expostos, mas nunca os ocultos. É impossível penetrar plenamente na mente alheia.

* Agora pense em si mesmo. Nas reflexões que te assaltam, no sistema que te incomoda, nas mentiras que condena. O teu pensar nunca condiz totalmente com os gestos, é um martírio a busca por justiça e equilíbrio, é um fardo a se carregar, pois somos homens e os homens estão suscetíveis ao erro e os erros nos corroem e estamos tão corroídos que deixamos de ser íntegros.... Você repudia o preconceito, mas na primeira vista do outro já cria teu conceito. Você detesta a mentira, mas se contém, se cala, jamais revela por completo e com exatidão aquilo que ronda a mente.

* Por isso vejo ao meu redor muitos decentes, muitos injustos, muitos competentes, muitos ocultos... Mas todos hipócritas. Nunca somos a alma e a consciência em plenitude, nunca conseguimos sincronizar nossas atitudes. Não externamos ou agimos em sintonia perfeita aos nossos desejos e pensamentos, mesmo quando estamos satisfeitos não agradecemos aos alentos. Sofremos com as amarras... Seja do sistema, seja da organização social, seja do mercado, seja do que for... Há moldes que vão nos definindo e nos tornando tão massificados que viramos mais do mesmo, temos essência, mas não conseguimos deixá-la aflorar. Temos carência, mas raramente vamos assumir ou demonstrar.

* Até nos olhos mais honestos há inverdades, até nos que lutam pelos direitos sociais há maldades. O homem que é bom na rua e cruel no lar, a mulher que se insinua, mas se ajoelha pra rezar. A criança que vê televisão quando quer ultrapassar o portão, o parente saudoso que por cansaço ou orgulho nunca liga para o irmão.

* Não é por falta de vontade, queremos ser inteiros, queremos ser de verdade. Mas aí está o grande mal do conjunto, seguir as regras para vivermos juntos. São muitas as mazelas, os erros, os condicionamentos que a sociedade te imputa, há pena maior do que comandar sua conduta? Então agimos ordenados, vivendo só de sonhos abandonados.

* E entre os que eu vejo e convivo não tenho dúvida, a mentira também me envolve, me recolhe, me entoca... Entre todos sou o mais hipócrita.

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 27/10/2011
Código do texto: T3301547
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