O POBRE E O ESPELHO - DIÁLOGO

___Desculpe meu caro, ainda depois de tanto, não dar algo decente pra que repouse teu corpo...

___Nas repetidas vezes que olhas e vês este velho banheiro, e nestas velhas paredes, esmiuçando o reboco nossa história gravada, e caída feito pó ao chão, amiúde nossas esperanças ali retratadas, no esquecimento do viver infeliz...

___Meu espelho, vês o meu rosto...? Vincado de desilusões, plânctons brancos imaginários navegam em meus olhos antigos, servindo de alimento para uns pequeninos restos de vida...

___Meu amigo, quantas vezes no limiar da loucura do corpo, alimentei minha alma aqui e conversando contigo não resumi à extinção minha existência, porque teu testemunho dividiu comigo a pobreza do corpo e a infelicidade da alma...

___Alguns dizem que dinheiro não é a felicidade, mas em quantas vezes, os farrapos que vesti, foram à única visão que teve sobre mim? O corpo cansado, sem um pedaço de pão, quem dera uma moeda, quem dera a textura benevolente de uma cédula na mão, para comprar para o corpo o que faria feliz ao espírito...

___Tuas surradas extremidades estilhaçam, longe do tempo que te encontrei em um lixo qualquer, era jovem meu olhar, as mãos firmes te acomodaram entre os papéis catados durante toda aquela madrugada, era manhã e por certo aquele foi teu ultimo dia entre paredes belamente ornadas, sorrisos bem nutridos, e águas perfumadas a te lavar o corpo... Depois a escuridão da pobreza na minha companhia, imprestáveis, numa fortuita amizade até o final de nossas histórias, por certo meu amigo...

___Hoje, meu espelho, não vou trabalhar... Vou acomodar meus trastes em algumas luxuosas caixas vazias que juntei na rua, sentar-me-ei para o ultimo pedaço de pão aqui neste miserável barraco, e mais tarde ali, pelo buraco que serve de clarabóia, ouvirás o barulho de um motor...Não será, um caminhão que virá buscar minha mudança...Não será um ambulância que vira me buscar para um tratamento decente de minhas chagas...

___Amigo, o barulho talvez seja o ultimo que ouvirás, o pesado guindaste demolirá toda a favela para que seja construído um hotel 5 estrelas, terei que deixá-lo, pois se aqui tinha algo pra te servir de moldura, para onde eu vou, a rua, não terei lugar nem para pendurar os meus trastes.

___Este adeus, não exibe lágrimas, não sentirei saudade, a pobreza endurece a alma, seca toda manifestação de dor e saudade, e estilhaça os dias tornando-os meras e necessárias passagens, para mais e mais sofrimento, ao pobre resta o sonho de um justo e rápido juízo final...

___Meu amigo espelho... Adeus.

Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 02/01/2012
Código do texto: T3418770
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.