Distanásia

* A gente que não tem coragem, condição ou vontade de se matar de imediato vai se aniquilando em cada ato. Na rotina, no trabalho, na aspirina e no cigarro. O corpo parece forte, mas o espírito é vulnerável. E com muita sorte luta-se para ser aceitável.

* A gente que não pode ou não quer dar um tiro na cabeça segue temendo e prevendo até que o pior aconteça. A morte diária é lenta e voraz, a vida percorre desatenta e não permite voltar atrás. Entre um distúrbio e outro comprimido há o bem-estar superficial de um organismo entorpecido. A fumaça, a poluição, cada desgraça que esmorece o coração.

* Dias se igualam, estresse e ansiedade disparam. E nosso cotidiano detestável é descontado nas crianças que esperavam um boa noite amável. Calamos seus gritos, encerramos a brincadeira. E no meio de tantos pitos, impomos fronteiras. Assim realizamos mais um assassinato, morre a espontaneidade na mais tenra idade.

* Crescemos desta forma, meio sem jeito, repleto de medo, rezando pela nossa hora. Crescemos acreditando em um ou muitos deuses sagrados, que apesar de nossos erros nos mantêm abençoados. E é nessa auréola de suposta e contínua absolvição que a humanidade segue em displicente perversão.

* Uma bebida, um sedativo, passamos toda a vida com um governo abusivo. No domingo somos eleitores, durante o mandato perdedores. Perdemos a chance de justiça, perdemos a chance de questionar, prevalece a cobiça e morre a possibilidade de amar.

* A gente que percebe essas mazelas e desigualdades, estes erros e inverdades, esta pouca autonomia e perda de capacidades nunca vive bem. Vive acumulando angústias e tremores, inquietações e poucos amores. A gente que abre os olhos para as novas reflexões segue sempre morrendo, há remendos em nossos corações. Culminando agonias, numa enfermidade eterna, esperando companhias em nossa caverna.

* E por não sabermos como agir, por não sabermos melhorar, por não podermos fugir, continuamos a nos matar. Em cada gesto mundano, sem achar outra via, a gente se torna menos humano... dia após dia.

12.03.2012 - 22h30

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 13/03/2012
Reeditado em 31/03/2012
Código do texto: T3550934
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