Jamais abandonarei todas as coisas de crianças



Desde que nascemos já temos um grande ferramental cerebral a nos moldar e a nos facilitar o entendimento do mundo externo. Não somos, ao nascer, tábula rasa como muitos ainda hoje acreditam. Assim podemos considerar que nos doze a vinte e quatro primeiros meses de vida ocorre um desenvolvimento cerebral absurdamente grande, de longe a maior obra de ajuste computacional conhecida, impossível de imaginar mesmo na mais moderna tecnologia da informação. Já nascemos sendo muita coisa e carregaremos estas coisas por toda a nossa vida, mesmo que adormecidas.
 
Existem assertivas que repetimos, e que não refletem mais a pura verdade neurológica: “Quando era criança, pensava como criança, agia como criança, sentia como criança e vivia como criança, tão logo tornei-me um adulto abandonei as coisas de crianças” pode não ser exatamente cópia fiel de coríntios 13,11, mas reflete o seu conteúdo. Entendo que a proposição em si não é verdadeira, mas o seu sentido geral ainda pode ser aproveitado, principalmente se trocarmos o “abandonei as coisas de crianças”, para “passei a agir como um adulto”. Ela, no sentido original, é uma frase bonita mas peca hoje pela falácia da simplicidade. O que a neurociência moderna nos tem mostrado é que mesmo quando adultos, jamais abandonamos “todas” as coisas mentais de crianças. Mantemos eternamente em nosso circuito cerebral, registros claros e programados daqueles sentimentos, daquela forma de agir, de pensar e de entender o mundo exterior.
 
Por mais que a cultura, a instrução e a realização do viver criem novas ligações neuronais, e assim abramos o leque de ferramental do cérebro, dando-lhe outras formas de atuar, aqueles programas iniciais, quer sejam de origem genética, quer tenham sido aprendidos enquanto bebês e crianças nos acompanharão para todo o sempre.
 
Tristes acidentes cerebrais nos têm trazido estas provas. Ao inutilizar partes do cérebro que nos tornou pensadores adultos, traz de volta o pensar, o sentir e o experimentar do mundo como crianças. Mesmo estando longe de ser a mesma coisa, quem já não ouviu que ao envelhecermos voltamos a ser e a nos comportar como crianças. Isto não é bom e nem é ruim, é apenas natural, nosso cérebro e dele decorrente nossa mente manterá, mesmo que escondido ou adormecido, ou mesmo subutilizado aquilo de mental e cerebral que tínhamos em crianças.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 05/05/2012
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