Crianças não são tábulas rasas, elas já nascem equipadas mentalmente



Cada vez mais, estudar o comportamento humano, a psique humana e assim buscar compreender a mente, a chamada alma humana, sem a direta intercessão e o paralelo estudo da neurociência, é brincar com os fatos. A própria Filosofia quando busca a verdade não pode mais abrir mão da ciência e em especial quando busca entender o ser humano real, não obstante sua liberdade metodológica, também já não pode mais abrir mão da neurociência (aliás, entendo que todo cientista teórico deveria ser um cético e um Filósofo natural, e da mesma forma que a Filosofia não pode mais abrir mão da Ciência, nenhum cientista sério deve abrir mão da Filosofia). Ao longo do tempo viemos presenciando a queda sucessiva de modelos psicológicos e mentais, simplesmente porque desconheciam no seu tempo de maturação o que hoje conhecemos cientificamente acerca de nosso cérebro e assim de nossa mente. A psicologia evolutiva, a revolução cognitiva e a neurociência caminham a passos largos abrindo trilhas, derrubando conhecimentos ultrapassados e destruindo dogmas, que não mais é possível imaginar o simples ato de Filosofar sobre a mente, o pensamento, os sentimentos e a própria alma humana sem bases científicas.
 
Esta quebra, revolucionária em muitos pontos, vem trazendo novos ares, novas percepções ao nosso conhecimento do cérebro, e dele, de nossa mente. Isto também não deixou de fora o ainda amado por muitos, Piaget. Não obstante sua pesquisa ser ampla e, não sendo eu um profundo conhecedor de todas as suas linhas, ousarei discordar de uma de suas linhas, assim peço que me perdoem os “Piagetianos” e as escolas que o seguem, minha crítica não é geral, mas bem pontual, a um dos princípios definidos por ele.
 
Entendo que uma criança não é um bolo amorfo mental de ilusões e imaginações sem laços predeterminados, onde apenas a experimentação e as brincadeiras possam direcionar, preparar e abrir caminho para o descobrimento seu e da compreensão da realidade do mundo, preparando o seu desenvolvimento e dando sentido e sustentação cognitiva para a criação da realidade da existência do mundo exterior para estas crianças. Entendo sim que as crianças, todas elas, saudáveis mentalmente, já vem desde o seu nascimento, naturalmente munidas com vasto ferramental intelectual para perceberem a realidade do mundo e capacitadas também a compreender as regras básicas e princípios naturais da física que governam o nosso mundo. As crianças já vem com capacidades de entender (ou rapidamente aprimoram estes conceitos) o que são objetos inanimados, que estes não se movimentam sozinhos, que a gravidade existe, que objetos físicos não desaparecem ou mesmo que não se “teletransportam” sozinhos e automaticamente. Estas mesmas crianças sabem que objetos inanimados que se quebram não se reconstroem sozinhos, que objetos não atravessam paredes e nem se atravessam uns aos outros. Elas sabem que quando objetos inanimados se movem o fazem de maneira contínua, e estas crianças já entendem que objetos inanimados não são seres vivos.
 
Isto não desqualifica que a experimentação e as brincadeiras, que podem ser partidas para aguçar suas curiosidades, sirvam de pequenos laboratórios científicos para estes pequeninos, mas entendo categoricamente que não são as brincadeiras que vão criar nas crianças o sentido de realidade externa do mundo.
 
Diversos neurocientistas, e mesmos psicólogos em várias pesquisas sérias, em especial com o conceito de “mágicas aparentes”, a muito já perceberam que as crianças desde bem pequeninas, possuem conhecimentos acerca do mundo físico exterior e mesmo que existe intencionalidade nos atos de adultos, o que não é comum em roedores ou gatos. Estes conhecimentos, parte deles já vêm geneticamente programados, e parte, elas mesmo os constroem naturalmente, e assim elas podem decifrar a cacofonia do mundo exterior por si mesmas, e desta forma é muito razoável supor que devem também estar, desde muito cedo, pensando em outras coisas. A ciência mental nos inviabiliza hoje de sequer imaginar crianças como uma tábula rasa ou seja como uma folha de papel em branco onde apenas a realização do viver pode nos programar.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 06/05/2012
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