O Herói que Eu quero Ser

O Herói que Eu quero Ser

Na primavera da minha juventude, segui meus desejos, experimentei meus sonhos, tentei fazer o meu destino a partir das minhas escolhas. Agora, olhando o pôr-do-sol do último sol de verão, tento realizar todo o potencial do meu ser, ser por inteiro quem sou, para que esteja pronto quando a sorte chegar. A nossa vida é uma mistura de destino, acaso, escolha e sorte. À marca do nosso nascimento e da nossa essência se juntam as nossas escolhas e as nossas ações. E, no fim, é a maior ou menor sorte que decide o jogo. A nossa virtude, a nossa maior virtude, reside em estarmos prontos para a sorte que vier. Na adolescência, o meu ímpeto era de agir no mundo como quem molda o barro da vida. Nos vinte anos, a coragem de enfrentar cada desafio entre mim e minhas metas e ideais era a própria manifestação da minha alma agônica. Nos meus vinte e oito anos, é provar da árvore do conhecimento o que eu quero, alcançando o autoconhecimento, a autoconsciência, e os limites e possibilidades palpáveis do meu ego e do universo que me cerca e que minha vista alcança, reencontrando-me nesse retorno de Saturno e gerando a força criativa e criadora da vida futura para então contemplar a natureza das coisas, misturando-me com a natureza, com as coisas e com as pessoas, como parte indissociável do Uno, reconhecendo a harmonia universal e agindo de acordo com o que torna a vida longa, feliz e próspera, rompendo e fazendo romper com os grilhões da alienação, percebendo no outro eu mesmo ao mesmo tempo em que minha autonomia, minha independência e minha liberdade se tornarem plenas. O significado de nossas vidas é só em parte arbitrário. Pode ser por nós conferido à vida o sentido que quisermos. Mas o sentido que ela terá dependerá de nossa obra e de como os outros a leem. Mesmo quando nos autodeterminamos, os outros nos determinam, porque todo mundo julga e esse julgamento é o único céu e inferno que teremos em nossa existência. A vida, única que temos, caminho sem volta, sem corretivo capaz de anular o que fizemos, sem reencarnações, sem ressurreições, sem prêmio ou castigo, só a vida que pulsa, breve brisa de verão, rara e delicada como uma flor de inverno, é um Purgatório; aqui se aprende na dor. Tudo que sofre, chora e sangra é meu irmão. A frágil vida humana é a maior potência do universo. O conhecimento verdadeiro, o conhecimento e o reconhecimento da frágil condição humana e da nossa insignificância em relação a tudo o que tem luz própria no amplo espaço, das estrelas mais pequenas à maior das supernovas, é o que torna o ser humano a luz mais forte que há; é o brilho intenso da razão. E quando essa razão mergulha no inconsciente e renasce como a fênix das cinzas, mas impura, mesclada com o instinto animal e com a emoção profunda, com a nossa irracionalidade, aí está a verdade sobre a raça humana. As várias verdades relativas, as várias meias verdades, as várias meias mentiras, as várias mentiras que se somam são o caminho para a verdade. O saber genuíno brota do campo minado de mentiras e dos abismos de verdades ocultadas que criam a história humana. É nessa direção que sigo. Eu, homem sem fé, um cético em busca da fé, que nunca teve religião, mas que, com um olhar de caleidoscópio, enxerga vários planos da realidade, seja através da arte, da ciência, da política, do misticismo, do trabalho, da família, da amizade, da filosofia, da experiência viva e do estudo mais diverso. A fé revolucionária é a única que tive. E é a única que ainda tenho na medida em que o significado da minha vida mora no futuro e o meu destino e a minha felicidade se unem inextricavelmente ao do resto da humanidade, a humanidade concreta, de gente que vive, que sorri e que chora e que não tem de mim um abstrato altruísmo, mas a generosidade efetiva e real. Tenho um encontro marcado com o destino. Nesse caminho, serei, a partir de hoje, guiado unicamente pelo amor e acariciado pela sorte. Acordo todos os dias pra guerra. A vida é combate, mas até Ulisses, o herói grego da métis, depois da glória, depois da luta que foi convidado a travar, buscou retornar pra casa, e teve ele o seu troféu nos braços de sua amada. O herói destemido que encontra a morte precoce, que vira mártir, que vira mito, pode ser inspirador, mas aquele que vive e luta com coragem e utiliza ainda a inteligência, esse é uma espada afiada, que corta por muitos anos, conquistando os louros que lhe cabem e abrindo os caminhos a duras penas mas de forma precisa e encontra de novo a bainha. Cada um deve libertar e liberar o herói que existe em você. Esse é o herói que eu quero ser.

Rafael Rossi