Há algum tempo afastada do Recanto, mas diante da chacina ocorrida com seis jovens na Baixada compartilho o texto escrito em 2007 na certeza que muito pouco mudou.
 
 
Desabafo
 
Convivo no meu trabalho diário com adolescentes e jovens adultos e detecto nesta garotada o pavor de viver nesta cidade, a falta de perspectiva quanto a mudanças por parte das autoridades "competentes". As suas queixas são o medo de assalto, do tiro que poderá vir em qualquer lugar ou hora, à bala "perdida", que sem endereço certo, na maioria das vezes, "acha" os inocentes.
 
Ônibus incendiados, pessoas queimadas, criança sendo arrastada por quilômetros, pais em desespero, fraturas que ficarão na alma pelo resto de suas vidas.
 
Neste momento passa um filme em minha mente: todas as mães e pais que perderam seus filhos. Quantos Joãos, Gabrielas, Lucianas, Rodrigos, Alines, Tiagos, Anas, Marias.... todas essas identidades que num momento marcavam cada um desses jovens, são hoje números de estatísticas  divulgadas e que sabemos não corresponder a realidade. E aqueles jovens pobres, em sua maioria negros, que foram registrados como indigentes estarão também nessa estatística?
 
Com as crianças que convivo percebo nelas o amadurecimento precoce, o medo de brincar na rua, o medo de ir à escola, reproduzindo as falas e vivências de seus familiares. "Meu pai foi assaltado, levaram o carro"; "Minha mãe foi roubada, levaram o celular"; “Quando eu saía da escola levaram minha mochila e o meu tênis e ainda me mandaram correr"; "Meu avô foi roubado ao sair do banco com sua pequena aposentadoria e por ser velhinho e surdo não entendeu direito a ordem de seus algozes, levou um tiro". Esses e muitos outros relatos fazem parte da conversa diária de crianças, jovens e adultos.
 
Tive um amigo muito querido que há mais de 20 anos já dizia em suas crônicas: “Não é a nova geração que se degenera. A nova geração só se perde quando os homens maduros já estão corrompidos".
Este é o meu desabafo, o mínimo que posso fazer neste momento em que me sinto impotente e fragilizada emocionalmente.
 
Que mundo estamos deixando para os nossos filhos?
Acredito que faço minhas palavras a de muitos pais que passam pelas mesmas angústias. Não podemos mais nos conformar em viver pela metade, em sermos prisioneiros de nossos lares, nem aceitarmos carregar o fardo das angústias e preocupações.
 
Onde estão nossos políticos? Precisamos de pessoas que deixem suas marcas na melhoria de vida desta cidade e de seu povo sofrido - mas que continua sendo maravilhoso. Precisamos que não tenham somente nos seus "projetos políticos" alargar avenidas, homenagear amigos, empregar familiares, fazer lobby de seus interesses.
 
Freud deixou-nos esta reflexão: "Só conservamos na velhice uma espinha arqueada que se dobra ante os novos fatos, quando nos mantivemos curvados durante a vida para evitar os choques dolorosos com a realidade”.
 
Ergamos nossa coluna dorsal, levantemos nossas cabeças, agucemos nossa audição, falemos de nossas angústias, para que em um futuro bem próximo não estejamos curvados olhando para o chão e chorando nossos mortos.
 
Mesmo estando num momento de descrença, de desesperança no sentido de alguma melhora, estarei lutando, me indignando com as injustiças e acreditando no poder de transformação dos homens de bem.
Convido a todos que se identifiquem com esse desabafo para que possamos fazer um círculo em nossos grupos de trabalho, escola, clube; para que comecemos a agir tendo como objetivo que nossas autoridades saiam de seus gabinetes e de suas estatísticas e combatam realmente essa desenfreada violência.
 
Lembrando saudosa de Geraldo Vandré... "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!"
 
Regina Coeli Carvalho
11-02-2007