O medo.

Sentado à deriva, olhando pela janela, a alma dele chora e ele sente medo. Na janela há gotas, gotas quentes que quase evaporam, há chuva e o cheiro de chuva de verão entra por entre os vãos que ali adormecem. Ele se pergunta a quanto tempo não senta naquela cadeira e debruça sobre a mesa encostada na parede e a quanto tempo ele não limpa essa mesa.

Seus braços ficam marcados no pó juntado a meses e com um grande assopro ele tira-o e tosse, se chama de tolo, abana o ar, mas seu olhar continua fundo e o medo se expõe. Ele deixa uma lagrima cair, uma tímida lágrima que carrega seu mundo inteiro, seu mundo é pesado e é grande, mas não para a lágrima.

A janela repousa em uma parede verde por fora e branca por dentro e encara diariamente uma roseira que se estende pelo jardim. A roseira carrega muitas histórias de amantes atordoados com o brilho das paixões no olhar que a roubam descaradamente, lhe tiram a vida, para satisfazer prazeres de suas amadas, para aproximar os corações deles com os das donzelas aborrecidas pelas noites de bebedeira entre amigos e que são facilmente corrompidas pelos botões de rosas de um vermelho vívido. A paisagem é bela, a da janela, já o rapaz do outro lado que derrama lágrimas de dor não vê beleza a sua frente.

Tudo pareceu mesmo estar em um preto e branco sem fim, ele tem medo, mas não é qualquer medo, ele tem um bem diferente, ele tem medo de perder a única parte boa que ainda resta em seu ser e ele sabe que fez uma coisa horrível a noite passada. Ele não roubou rosas ou matou algum indigente em busca de drogas, ele se despediu de uma pessoa muito especial de uma forma errada, ele machucou um coração, ele desrespeitou um sentimento, ele está confuso.

Fazia já seus bons anos que ele havia conhecido a moça, singela e simples, ela o conquistou e fez dele, a sua paixonite. Dessa paixonite, foram se mostrando mais fortes os sentimentos de saudade, de vontade, de respeito, veio surgindo ao longe o sentimento de amor. Ele a desejava, ela o amava, ele não amava ninguém afinal, nunca havia amado alguém, mas ela era a coisa mais interessante que ele já tinha experimentado em toda a sua vida então, ele dava o devido e merecido valor a ela até aquela quinta-feira.

Uma quinta-feira daquelas, ele acordara com o pé esquerdo e ao simples toque de recolher de seu despertador, ele voltou ao trabalho. Passava tantas horas dentro do escritório que se sentia mais em sua casa lá do que na casa que ele dormia. Bem nesse dia, ela havia ganhado um dinheiro extra por bons projetos em sua empresa e o havia chamado pra sair, dar uma volta, a rodada da noite seria por conta dela, para comemorar o sucesso, pois bem, ele havia aceitado as 10hrs, mas seu humor estava pior as 19hrs e ele só conseguiu sair de lá as 21hrs. Ela o ficara esperando pronta desde as 20hrs, ele não conseguiu sair a tempo de ver uma boa roupa nela.

Ao chegar na casa dela ele viu a bela em seu pijama mais velho e comendo pipoca no sofá. Ele queria se divertir, ele precisava sair essa noite, só essa noite, mas ela estava cansada. Ela negou por duas vezes, então só se ouviu a mudança de tom, a porta batendo, muito forte por sinal, e o choro, o choro da donzela que queria um abraço de alguém que domina seu coração em um dia especial como aquele.

Ele não deixou barato e saiu para beber com os amigos, ele realmente achou que estava certo, ele se cegou tanto em seu desejo de querer estar bem que esqueceu que sempre fica bem ao lado dela e agora, ele chora e relê a mensagem final da moça tentando achar uma vã esperança para ele correr de volta aos braços dela, mas ela deixa bem claro que aquela foi a primeira e a ultima vez que ele bateria a porta em sua cara porque não haveria segundas chances.

Agora ele se encharca com sua própria chuva e pensa se, algum dia ele verá aquele sorriso novamente. Ele só pensou nele aquela noite e ele não quer pensar só nele. Se questiona a todo o momento se ele terá de ser um amante ladrão, furtando as rosas de seu próprio jardim para pedir desculpas a ela. E o medo dele aumenta de pensar que o desprezo por parte dela é possível. Ele chora, ele pensa e não se move. O medo é grande e ele se pergunta se esse medo é maior que o seu amor. E ele se conhece sabendo que a ama, e ele se entrega, ele não quer ganhar, ele tem medo, ele tem medo de tentar.

Ele se levanta e se olha no espelho e ali, ele conhece o verdadeiro homem com coragem de menino e com tantos medos que ele não consegue nem contar. Tudo isso por causa de alguém que um dia apareceu em sua vida. Ele não era dependente dela, ele era um rapaz livre e vibrava por ser assim, mas naquele momento enxergava qual era o verdadeiro estado dele perante a moça, e ele chora, e sente medo. O mundo não acabou e o relógio não parou, mas o tudo ali havia ficado mais difícil e doloroso e ele se questiona.

- Quem sou eu?

Adilson Fabbri
Enviado por Adilson Fabbri em 19/09/2012
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