NÃO EXISTEM ATEUS EM ACIDENTES AÉREOS?

Um dos argumentos mais lugar-comum contra o ateísmo, principalmente entre aqueles que não tem muito conhecimento de filosofia e teologia, é o que chamo de “argumento do acidente aéreo”. Este, como é de se esperar, não é um argumento muito sólido e nem ataca diretamente o ateísmo, mas sim a honestidade das crenças e atitudes daqueles que se consideram ateus. O intuito aqui não é nem tanto apresentar evidências contra esse argumento, mas sim mostrar a sua inconsistência e mostrar que, surpreendentemente, esse argumento favorece algumas ideias ateístas.

O argumento do acidente aéreo não se expressa na forma de um argumento, mas sim de uma declaração, geralmente expressa em frases do tipo: “Não existem ateus em acidentes aéreos”. Com isso, querem dizer que em momentos de grande desespero, aqueles que se dizem ateus recorrem a Deus para se salvar, provando, assim, que no fundo ninguém é realmente ateu. Não sei quais são as evidências que sustentam as premissas desse argumento. Não sei de onde tiraram a conclusão de que ateus tem o costume de apelar para Deus em casos de acidentes aéreos, muito menos de onde tiraram a conclusão de que todos os ateus procedem de tal forma. Talvez seja pela tendência que as pessoas tem de procurar Deus em meio às dificuldades, mas isso é algo comum entre os crentes, que se apegam mais às suas crenças em tais casos, não entre ateus. Talvez queiram dizer que em situações de extrema dificuldade, não apenas os crentes recorrem a Deus, mas qualquer pessoa recorreria, inclusive ateus, isto é, serve como premissa para um argumento de que nas horas difíceis todo mundo apela para “algo maior”.

Como o objetivo aqui não é apresentar evidências contra as premissas do argumento, mas sim mostrar como essa declaração é irônica, não me darei ao trabalho de coletar informações contra elas (mesmo que eu não conheça nenhuma evidência a favor). O que há de irônico nisso tudo é que essa declaração confirma algo que ateus vêm dizendo há séculos: que a crença em Deus é produto da busca por conforto, da esperança, do medo da morte. Se é verdade que ateus buscam acreditar em Deus diante de situações extremas, isso só mostra que ele passa a crer não por um motivo racional, mas por algo meramente emocional, totalmente coerente com a “psicologia ateísta”. Quando estamos dominados pelo medo não conseguimos raciocinar claramente, o que poderia levar uma pessoa extremamente racional a procurar salvação em algo que antes não lhe fazia o menor sentido (e não faz nem nesse caso, pois ele não é capaz de pensar a racionalmente a respeito disso). Esse argumento não traz nenhuma vantagem para as crenças teístas, pois mostra que essa crença foi adquirida por um fato emocional em meio a uma situação desesperadora, o que serviria de premissa para mostrar que toda crença em Deus surge de situações igualmente emocionais (não estou dizendo que é sempre assim). Uma crença que, por acaso, surgisse de tal forma não tem nenhum estatuto epistemológico sólido. O argumento é, na verdade, um tiro pela culatra.

É muito duvidoso que toda e qualquer pessoa procure se apoiar na crença em Deus diante das dificuldades, principalmente nas extremas. Mas o que eu queria mostrar é que esse argumento, além de não ajudar na racionalidade das crenças teístas, ainda fornece argumentos para a psicologia ateísta, alegando, indiretamente, que a crença em Deus é frequentemente produto do medo da morte e da busca de conforto diate das adversidades. Além do mais, um piloto de avião ateu que, diante de um desastre iminente, começasse a rezar para Deus em vez de realizar os procedimentos adequados aos quais ele foi treinado, seria no mínimo um irresponsável, não acham?

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 04/10/2012
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