poeta assumido.
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entre conversas e cervejas
disse-me um amigo, em tom sério
-poesia é coisa de veado ou vagabundo.
quando não os dois.
engoli a seco o deletério
sempre me senti estranho, pois
tomo mais uns goles, uns dois
e volto andando pra casa.
-pai, mãe, tenho algo a falar.
-finalmente, filho, vai casar?
-não, mãe. não posso. sou poeta.
meu pai, que sempre quis uma neta
pôs-se a chorar
minha mãe me olhou e sorriu.
-já sabia?
-te conheço desde pequeno
não haveria como de ti
saber menos
é a pessoa mais sensível que conheci
vá ser feliz, vá.
noutro dia, no trabalho
minha chefe ouviu de mim
-tenho algo a falar.
-pois bem, queria mesmo te dizer
serás promovido. parabéns.
-não posso. sou poeta.
-e a vergonha, não tens?
some daqui! já.
e sumi de lá.
sumi de lugares.
sumi de amores.
desejos fugazes.
tornaram-se dores.
cores esmaeceram-se
do preto e do branco
restou pó.
mas me assumi poeta.
poeta e só.
Vitório Vilas