Um devaneio, eu conto...

Olhava a folha em branco. Queria escrever um conto ou vários, talvez um livro. Mas tinha dúvida se neles deveria relatar passagens de sua própria vida ou da vida alheia.

Claro que sabia que tudo deveria ter certo exagero, pois a vida é sempre meio exagerada. E andava meio descontente porque a vida atualmente não estava sendo exagerada com ela. Ao contrário, andava sendo muito comportada e comedida.

E se perguntava por que a vida andava sendo assim tão formal com ela. Seria uma espécie de castigo ou algo necessário para evitar alguma coisa que futuramente fosse fazer uso?

Mas também de que importa? O desejo de fazer algum relato era mais forte, mas a dúvida era na mesma medida.

Pensava no mundo, nas pessoas, na vida. Na sua vida. Pensava, lembrava, planejava.

Tinha curiosidade de saber o motivo que leva algumas pessoas a aceitarem e se conformarem com vivências tão normais, mornas e insossas. Ao mesmo tempo achava que poderia estar enganada, que tudo isso fosse um devaneio. Talvez essa vida que ela criticava no alheio, os fizesse felizes. Mas como seria possível ser feliz com tanta normalidade?

Achava que tudo na vida tinha que sempre ter um toque especial, uma pitada de algo mais. Fosse o que fosse, qualquer coisa, mas que desse um sabor forte, uma tonalidade acentuada, um cheiro exótico e uma visão chocante.

A calmaria é meio sem graça, assim como a paciência e tudo que remete a muito equilíbrio. Seria mais interessante uma vivência urgente, desequilibrada, insana, cheia de altos e baixos, idas e vindas, curvas, tempestades e tudo mais que sacuda, que chame a atenção, que prenda seus olhos, que cause em sua boca, que altere sua respiração.

Melhor que viver caminhando em uma estrada plana é andar em uma montanha russa, onde a cada descida o vento bate forte em sua pele e em cada subida causa uma revolução em suas entranhas.

A vida tem que ser pulsante, latejante, delirante. É preciso viver as guerras para poder provar a paz. Não existe paz sem antes haver uma guerra. A paz não é autossuficiente.

Numa dessas até seja certo dizer que todo positivo precisa ser antecedido por um negativo.

Nada será sempre somente constante.

As pessoas acabam tendo uma vivência equivocada, pois desperdiçam seu tempo sempre esperando o momento seguinte, o que está por vir. Nunca prestam a devida atenção no presente. Muito estranho isso, mas é uma verdade.

Estão sempre esperando a felicidade, o amor de sua vida, os dias melhores... Sempre esperando.

Se a felicidade fosse algo constante como saberíamos que ela é a felicidade?

E para que saber tudo? As perguntas também podem ser vividas com plenitude. Para sentir a conclusão de uma resposta, temos que passar pela inconstância da pergunta.

Acho que por isso sempre precisaremos dos opostos, para poder dar nome ao próximo instante. Se tudo fosse sempre constante seria confuso demais. Tudo se misturaria e não saberíamos distinguir uma coisa da outra.

E agora que escreveu mais de uma página de devaneio, começa a imaginar qual seria o próximo passo, a história seguinte.

Sabia que se quisesse escrever um livro de contos teria que ter muito mais coisas para contar.

Mas o que contaria? Qual seria a próxima história?

E então um estalo em sua mente a fez acordar do devaneio.

Que grande piada! Eu aqui também esperando pelo tal próximo instante, o momento seguinte... O amanhã.

Deby Lua
Enviado por Deby Lua em 05/01/2013
Reeditado em 12/04/2015
Código do texto: T4069064
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