APARÊNCIAS, HOJE É O QUE INTERESSA

DA NATUREZA HUMANA : Só aparência não diz nada.

Escutei as estórias abaixo e elas sempre me fazem pensar que as diferenças de ótica sobre um mesmo assunto entre as pessoas é uma coisa muito, e bota muito nisso, intrigante, interessante, salutar, contribuindo demais para nossa evolução intelectiva e emocional, etc., etc., etc.. Podem até não ser verdadeiras, mas bastante verossímeis:

• Glauber Rocha, após uma sessão especial da sua obra prima “Deus e o Diabo na Terra do Sol” , fez uma palestra sobre o filme, comentou qual era a mensagem que quis passar e comentou detalhes de como foi viabilizada a realização da película. De repente, uma pergunta da plateia: “- O que você quis dizer com a tomada aérea final em que a mulher cai e o homem continua correndo, abandonando-a? Foi para lembrar que a mulher é o sexo frágil? Foi para mostrar que a mulher está decaindo moralmente? Que o machismo é uma tendência natural do homem? Por favor, esclareça. Glauber, com a irreverência que Deus lhe deu, responde: “- Porra, fazer filme no Brasil é muito complicado. A última grana que eu tinha gastei no aluguel do helicóptero. Era o último rolo de filme. Eu estava no helicóptero, a atriz caiu e eu berrei para o ator continuar, pois senão eu estava fudido. E o filme ficou assim.”

• Ingmar Bergman debatia com uma plateia seu filme “ O Silêncio” ( esse eu assisti!) de 1964. Trata da história de duas irmãs, uma bebia todas porque estava doente e outra que dava para todo mundo ( falando o Português claro e chulo!). Tem uma cena ocorrida no saguão de um hotel de luxo, na qual um menininho, acho que filho de uma das irmãs, saca de seu pinto e mija num vaso chique. Pergunta de um espectador: “- Qual o significado do menino mijar no vaso? Seria uma manifestação de repúdio à essa sociedade hipócrita e elitista? Uma mijada no Capitalismo? Uma reação à classe dominante?” Bergman respondeu, sem perder a fleuma: “- Foi uma coincidência. O menino ficou com vontade, fez pipi no vaso de plantas bem no decorrer de uma cena importante do filme. Achei muito bonitinho e deixei como pano de fundo.”

Muitos de nós procuramos encontrar significados ocultos naquilo que vemos. Às vezes até ignoramos a mensagem direta que o fato contém. Temos uma tendência a não nos contentarmos que as pessoas caem e que meninos mijam em vasos. Queremos mais. Nem sempre existe um significado oculto naquilo que vemos.

• O cara sempre se queixava para seu analista que havia um jacaré sob sua (dele) cama. O psicólogo encaminhou-o para um psiquiatra e este entupiu o cara de remédios para curar aquela paranoia. O paciente sumiu, não apareceu mais no consultório. Intrigado com aquilo, o psicólogo foi à casa do cara e perguntou por ele. A mulher que o atendeu explicou “ -Aconteceu uma coisa muito triste: havia um jacaré sob a cama dele e o comeu”.

Nem sempre as pessoas estão com paranoia ou obsessão. Mas temos a tendência de interpretarmos as falas e comportamentos dos outros conforme nossos padrões de insegurança. Se uma pessoa mal vestida (segundo nossos padrões) se aproxima, nos encolhemos e desviamos nossa trajetória para não ter o desprazer de nos defrontar com algo que contraria nossos conceitos de estética e comportamento.

• Um amigo da minha filha Paola era uma pessoa diferente. Andava de coturno militar, casacão, mesmo nos dias quentes. Barbudo, magrão, só se vestia de preto. Apareceu na festa , parou ao lado da Paola, ficou observando o pessoal que estava na festa. Depois de uns minutos, confidenciou à minha filha: “- Festa esquisita. Não sei não...” Paola, que achava a festa “normal”, perguntou: “-O que aconteceu?”. Resposta do amigo estranho: “- Tem muita gente estranha aqui.”

A parte triste disso é que acabamos julgando por aparência e, pior ainda, nos comportando conforme esse juízo. Às pessoas bem trajadas tratamos bem, mal trajadas com desdém. Rima, mas é péssimo. O critério é muito mais abrangente que pensamos. A justiça age muitas vezes assim: se o cara for desempregado, analfabeto e sem moradia tem muita possibilidade de ir preso. Ao invés de serem fatores atenuantes, são agravantes, como se a pessoa escolhesse estar da maneira que se encontra. Perdemos o critério de observar os fatos, perdemos o sentido de analisar o que acontece, passamos a creditar no que escutamos e vemos, sem lembrar o que “as aparências enganam”, e não vamos em busca do real e sim do aparente. Quem fala mais alto ganha a discussão, cara feia convence mais, quem sorri não presta, seriedade é sinônimo de cara fechada. Atrás de um falador pode estar um idiota mentiroso, um bandido pode ter ares de honestidade. Um mentira dita com veemência vale mais que uma verdade dita mansamente. Enfim, somos manipulados por aqueles que se aproveitam disso, notadamente os políticos.

É, temos muito a aprender