DEUS E O SENTIDO DA VIDA

Em muitas de minhas visitas a fóruns e blogs sobre religião tenho visto argumentos que jamais comentei seriamente por aqui. Infelizmente, acho que esta também não será um desses comentários sérios. Digo, "sério" no sentido de ser aprofundado. Quero apenas fazer um breve comentário sobre esse assunto: a relação entre Deus e o sentido da vida.

Alguns apologistas, apoiados até mesmo por alguns ateus, citando uma frase de Russell¹ até a exaustão, tem defendido que a vida não teria um sentido se Deus não existisse. Esse argumento, bem como o argumento moral, apela para um certo medo do absurdo, plantado no canto mais profundo da alma humana. Como não podemos aceitar que a vida não tem sentido, temos que aceitar que Deus existe - é o que pretende fazer o argumento.

À capciosa pergunta "Se Deus não existe, qual o sentido da vida?" a maioria dos ateus responde prontamente que a vida não tem sentido, que isso é algo meramente pessoal, ao que o habilidoso teísta treplica alegando que se Deus não existe, a vida não tem um sentido objetivo, real, apenas um sentido relativo, subjetivo e, portanto, praticamente inútil e vazio.

No entanto, o que muitos, ateus e teístas, não sabem, é que a expressão "sentido objetivo para a vida" é algo totalmente sem sentido. A vida não teria um "sentido objetivo" quer Deus exista, quer não exista. Explico: o termo "objetivo" se refere a fatos, a coisas que estão no mundo, que fazem parte da realidade. Não há nada como um "sentido objetivo" no mundo. Se o "sentido" fosse um fato, portanto, algo objetivo, ele apareceria na descrição de um objeto. Todavia, se você descrever uma pedra, uma flor ou o que quer que seja, jamais encontrará nela o seu "sentido", porque isso simplesmente não está nas coisas. O "sentido" é algo que atribuímos às coisas, portanto, não são fatos, não fazem parte do mundo objetivo.

Como nada como um "sentido" se nos mostra quando descrevemos algo, então esse sentido simplesmente não existe objetivamente. Não é como, por exemplo, não mencionar os átomos de uma pedra quando a descrevemos, por não sermos capazes de vê-los. Eles não aparecem na descrição porque são invisíveis devido seu tamanho reduzido, mas o "sentido" não é "invisível" pela mesma razão. Não é algo que possa ser detectado de alguma maneira possível.

Alguém pode replicar alegando que podemos usar o "sentido" de algo na sua descrição. Por exemplo, podemos descrever uma faca e acrescentar que "ela serve para cortar". Essa função é o seu sentido e, no entanto, faz parte da descrição do objeto. Portanto, esse sentido é um fato objetivo. Uma réplica simples é que uma faca que não tenha sido feita para cortar (um objeto decorativo, por exemplo) também é uma faca, embora apenas descrevendo-a não possamos definir qual a sua finalidade ou seu sentido. A crença de que o "sentido" de um objeto é extraído de uma análise fria e imparcial é uma ilusão. Só podemos ver "sentido" nas coisas quando já estamos bastante informados sobre tais coisas.

Muitas pessoas, ao que parece, usam a expressão "sentido objetivo" para se referir ao sentido dado pelo criador de alguma coisa. Portanto, o "sentido objetivo", por exemplo, de uma cadeira, é o sentido que o criador dela a deu. É claro que aqui não temos nada que seja literalmente um sentido objetivo. Mesmo que o criador atribua a um objeto uma dada finalidade, essa finalidade não se torna objetiva só por isso. Além do mais, não há nenhuma razão especial para preferir o sentido, propósito ou finalidade dada pelo criador ao sentido, propósito ou finalidade dada por outra pessoa. Se eu crio um tabuleiro de damas, não quer dizer que jogar damas seja o sentido objetivo, correto, preferível ou melhor desse tabuleiro, e, portanto, usá-lo para jogar xadrez seria um propósito menos "objetivo".

Falar em "sentido objetivo da vida" é mais um engodo que um argumento sério. Uma vez que não pode haver nada como um "sentido objetivo", segue-se que, quer Deus exista, quer não exista, a vida não poderia ter um sentido objetivo. Esta breve reflexão não tem como meta a resolução do problema existencial do sentido da vida, apenas mostrar a falácia e falta de sentido da expressão "sentido objetivo". Quem sabe explorar a razão de viver em um mundo sem Deus possa ser tema de um artigo mais elabora, mas por enquanto, termino aqui minha tentativa de mostrar a falta de sentido desse argumento.

1"A menos que se admita a existência de Deus, a questão sobre o propósito da vida não tem sentido"

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 10/06/2013
Reeditado em 10/06/2013
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