VACA PROFANA, VACA SANTA
Mamãe vaca, santa de todos os dias, livra da desnutrição.
Aqui, digo, no Brasil, na África ou na Índia. Lá não se come a vaca. Mas é preciso comê-la antes que por ela seja devorado.
Deus não da leite, nem carne, nem da dinheiro. Dá é graça, mas graça não se come, não se vende nem se compra, a menos que o cidadão seja de fé e com ela converta em tudo que necessite.
O garimpo não oferece graças: apenas pedras preciosas e elas estão nas profundezas onde há dinheiro, inveja, soterramento e morte.
Deus, diz-se, se revela , mas não mostra o rosto. O Demônio, dizem, mostra o rosto, mas não é reconhecido. Por isso consegue ludibriar e todos preferem sua companhia.
Ambos estão ocultos: um a demonstrar o amor imenso que extrapola e pode chegar ao ódio. O outro é senhor do rancor que pode se transformar em compaixão.
O demônio acolhe a todos indiscriminadamente. Encontra-se em qualquer esquina, nos botecos, nos bordeis, nas bocas. Ganha e perde almas, mas não se envergonha de sorrir para os desgraçados.
Deus da o terremoto, as tempestades, o raio, o furacão, o vulcão e o medo da morte, do inferno. O Demônio não da nada, apenas o temor que pode evitar de cair no próximo despenhadeiro, de cair no soterramento e voltar à superfície sem uma pepita.
A prostituta não da dinheiro: tira aquele que o demônio deu, porque se fosse dado por Deus ela não tiraria. Ela da (quer dizer, vende) também gonorreia e sífilis que fizeram com que Deus amaldiçoasse e abandonasse.
Deus não arranjará outra prostituta, ele as odeia.
No próximo lupanar o Demônio socorre. Ele se esconde num copo de cachaça ou na cocaina, nos assédios de uma morena jovem de seios grandes. Deus excluirá do meio dos “bons” e privará de tudo: das pepitas, das prostituas, da mamãe vaca.
Será apresentado, em nome de Deus, a um livro grosso e um saco onde deverá depositar um décimo das pepitas que venha cavar.