Crianças


Crianças, como não gostar? Como não sofrer com o abandono social a que muitas delas estão lançadas? Como conviver com a dor da ausência social que atravessa toda a infância destas crianças? Como não chorar, não só pelo sofrimento delas, mas principalmente pela inação que não nos põem em caminho de revolta contra o que aqui está?
 
Tenho dois filhos, e sei exatamente o quanto os amo, e o quanto sofro só de imaginar que poderiam ser os meus filhos aqueles que a sociedade que ajudamos a manter segregasse e reprimisse, e que estivessem sofrendo na pele a dor do abandono social, e pelos quais, por muitas desculpas, a sociedade como um todo não se movesse pela transformação desta mesma sociedade. Agora imagina o sofrimento de milhares, talvez milhões de pais que amam seus filhos de verdade e se veem na porta da incapacidade pessoal e social de mais fazer por eles.
 
Dia após dia, noite após noite, ano após ano, fome após fome, e doença após doença, aqueles pais sérios, mas impotentes, sofrem calados a pior dor, aquela de não ver verdadeiras oportunidades para seus filhos, aquela de ver a fome saciada com restos ou sobras ou de mesmo não ver a fome saciada, de ver seus corpos cobertos com qualquer coisa, de ver a infância de seus filhos se esvaindo na carência e no desprezo da sociedade que lhes virou a cara e os abandonou a sorte, ou ao azar de realizarem uma vida de descaso e abandono social.
 
Sou tão culpado quanto qualquer outro. Sou mais culpado que qualquer outro porque, recluso em mim mesmo, não revolto-me em plenitude, e brinco da fazer caridade, brinco de ajudar ou de me doar, brinco de ser humano, enquanto o que elas precisam é de verdadeiros homens, na concepção humana da palavra, para construir uma revolta social que pudesse reconstruir um sociedade mais digna para estas mesmas crianças, uma sociedade mais humana na concepção social da necessidade básica de uma realização mais humana do viver coletivo.
 

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 28/06/2013
Reeditado em 29/06/2013
Código do texto: T4363319
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