Dores, sonhos e restos de mim

E eu, que tantas vezes simples, inúmeras vezes áspero, diversas vezes vil, hoje clamo a dor como quem clamou independência. Tenho em mim tantos sonhos, sonhos que nenhum homem um dia teve. Tal qual Pessoa, tenho em mim tanta santidade que até cristo invejou-me; há tanta dor que nenhum poeta, um dia, ousou sentir. E eu, também, deveras sinto. Mas como fiz para chegar neste ponto?

Espero a idade que vem, conto a idade que veio, até quando terei esse ritual? Parece que a morte me surge como resposta a tantas perguntas...

Vez ou outra, sentado à beira da cama, meus olhos lavam meu rosto e salgam minha boca. E eu, como sempre, deixo que a tristeza me abrace. Parece tão calorosa.

Onde foi que perdi meu sorriso? Eu não sei, mas sinto-me roubado. Talvez seja culpa daquela dama que pôs-me virado no avesso; talvez seja culpa minha que não quis brigar por aquilo que me botou sorriso nos lábios e brilho nos olhos; talvez a culpa seja mesmo do destino, que brincou com meus sonhos, pôs uns de perna pro ar e riu, sarcástico, por me pôr a chorar.

Não! Não me diga em felicidade quando a humanidade grita por terror... Não! Não me ponha a mão nos cabelos. Não acaricie minha cabeça como se fosse um cachorro! Eu não quero carinhos, diacho. Eu quero mudanças, mas desacredito...

Lembra-te da porta que deixou aberta ao sair? Por ela entram tantos ventos. E dos ventos, ouço tantas vozes... Uma delas - e apenas uma - é tua. Não sentes mais falta, nem gritas mais meu nome. Na pele, as palavras cortam como navalhas. Ou melhor, eu é que tenho cortado minha pele com navalhas ao escrever o que me faz doído: o teu nome.

Vem de ti todas as dores, todos os risos, tudo. Tudo? Ah, tudo é tanto que nem sei e talvez não seja tudo, mas boa parte de um tudo que nem eu sei mesmo como medir.

Arre, estou saturado de dores, mas crede: nenhuma delas dói tanto com o saber que eu mesmo sou responsável pelas demais. Partistes, deixaste-me, levaste-me tudo, menos o sofrer.

Senta-te na cama, feche teus olhos - sim, senta-te realmente na cama e feche teus olhos, meu bem - e aperte tua alma como se fosse massacrá-la. Verás que a dor, a dor que nem mesmo sentes, será sentida por ti e por todos. Essa é a tragédia humana: ser moldável, volátil, falsário, incessantemente vulgar ao ser e apenas ao ser um humano.