Não posso pensar sem existir


Posso existir sem pensar, mas não posso pensar sem existir. Isto por si só diz muito, diz que a real existência antecede o pensar. Isto é simples e real, isto é animal, biológico e neuronal. Uma vez que existo (materialmente falando), como um ser animal, biológico e neuronal, por isto um ser que vive, posso ou não pensar, a existência real não necessita e nem impõe um pensar, ou pelo menos não impõe necessariamente um pensar. Posso existir sem o pensar, pelo menos enquanto o pensar tiver o significado vulgar, comum e básico que todos damos ao pensar, algo consciente, agora o contrário é impossível, não posso pensar sem existir. O ser que pensa, necessita antes do ser, para depois pensar. O pensar necessita, impõe e obriga a prévia existência de um ser. Não existe pensar por si só. O pensar decorre da emergência natural, bioquímica, de um cérebro extremamente complexo. O pensar é o resultado de uma complexa reação de impulsos elétricos, bioquímicos, em uma rede neuronal.
 
Posso agora discordar, praticamente de uma única vez, de três linhas poderosas de argumentação do que somos, que apareceram ao longo de mais de dois mil anos. Não somos essencialmente um animal racional, esta não é nossa definição maior. Não penso, logo existo, pelo menos não novamente como definição principal do que somos. Não somos um animal social, de novo não pelo menos como essência de nosso ser. Não somos um “ser sujeitado”, resultado do ambiente que nos cerca. É fácil perceber que podemos ser um pouco de tudo isto, em graus variáveis. Todos e cada um de nós é um animal algo racional, que pensa, que possui forte tendência social e que é sujeitado pelo ambiente que nos cerca, somos seres que existem, e existem antes, e necessariamente antes, para que possamos ser algo racional, que pensa, que tende a ser social e que é sujeitado pelo ambiente. Se somos um pouco de tudo, não somos assim em essência nenhum deles, desta forma, apesar de que ao seu modo Aristóteles, Descartes e o Classicismo tinham suas partes da verdade, todas estas definições ou sistemas de classificação são incompletos e não essenciais. Quem sou eu, um quase ninguém, mas um quase ninguém que é um ser vivo animal neuronal. Como animal, sou físico, bioquímico, material e imanente. Como neuronal, além de reforçar tudo que sou enquanto animal, sou também um ser que pode pensar, que pode buscar racionalidade, que por ter um cérebro plasticamente alterável em sua estrutura de rede, e assim ser um ser sujeitado e que gosta do social. Mas o que verdadeiramente sou é tão somente um ser vivo animal e neuronal, com um circuito tal que permite a emergência da mente, e com ela o nascimento do ser subjetivo, que aprende, que apreende, que é induzido, que pensa, que tem emoções, e que pode racionalizar. A própria humanidade é uma decorrência natural da complexidade cerebral e de um corpo físico, necessários por imposição. O corpo e seu cérebro, e dele derivado a mente, devem existir antes que possamos ser um ser pensante, emocional, racional, social, com vários eus, e capaz de ir do amor ao ódio, da racionalidade a total irracionalidade, do ser pensante ao ser alienado, simplesmente porque possui cérebro, é real, natural, imanente, bioquímico e físico.
 
Definir o que sou passa necessariamente por definir também o que é a vida, e pior, definir o que é viver. Parece tão fácil, pois todos acreditamos ser capazes de facilmente dizer que um corpo é vivo ou não, mas no fundo tais definições são muito complexas. Assim, me deterei a repetir apenas que sou um ser vivo, animal e neuronal, o que me permite ser um ser Aristotélico, um ser conforme Descartes ou um ser clássico, não sendo em essência absoluta nenhum deles. Muitos discordarão, que bom, isto é natural da democracia, da liberdade de expressão, e comum também, muitas vezes, a nossos preconceitos, interesses e vaidades, tanto minhas quanto suas...
 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 06/08/2013
Reeditado em 06/08/2013
Código do texto: T4422897
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