A tormenta é minha companheira



A tormenta é minha companheira, vivo, muitas vezes, como se a boca tivesse vida própria. Vivo assim assustado com o que desconheço que sou, ou talvez com o que tento esconder de mim mesmo que seja. Vivo sendo o que sou, é obvio, mas nunca sei exatamente o que e nem o quem sou.
A consciência parece atônita cada vez que se percebe sem reação direta frente a ações irresponsáveis que eu tomo. Como ser o que não sei? Como posso não saber o que sou? Pode ser que parte consciente de mim saiba alguns lados sujos e perversos do ser que sou e varra-os para baixo do tapete da consciência, como se bastasse isto para não ser aquele hipócrita ser que busquei esconder. O pior de tudo é que me é impossível saber tudo que sou, a consciência é uma mínima parte do processo mental que nos é comum, na verdade entendo-a como uma simples interface de entrada e saída daqueles processos zumbis, escondidos, totalmente transparentes a nós, que neste mundo, reflexo desta emergência mental, forma na verdade o ser que sou. Nem mesmo o livre arbítrio, como vulgarmente o pensamos deve existe, o que conscientemente pensei, decidi, planejei ou racionalizei, já foi deliberado nos bastidores do submundo mental que nos é real. Pode parecer chocante para muitos, em especial para os mais humildes e dedicados amantes da fé religiosa. Retirar deles o domínio e o controle sobre o livre arbítrio, é retirar a fórceps muito de sua estrutura mental da fé. A esperança, o livre arbítrio, a fé na oração, e a certeza de um depois desta vida, são talvez, posso errar pois sou ateu, o alicerce básico de muita da crença místico-religiosa de nossos irmãos, e uma a uma, retira-las, é como despir-lhes o corpo, retirando a própria pele e deixando a carne viva para a dor da realidade.
 
Não sou o que realmente penso que sou, o livre arbítrio pode sequer existir, a esperança é para mim um atalho para o sofrimento, o depois daqui pode não existir, porque me empenhar nestas coisas, ou investir recursos no que sequer posso afirmar que existe. De todas aquelas, apenas a oração pode realmente ter valor de atitude, não para conseguir algo fora de nós mesmos, mas no tocante a nossa existência, a oração pode ter uma reação positiva, principalmente nos dando inconscientemente mais força, coragem, paz e equilibrando reações bioquímicas de nossos corpos. É um pouco como o efeito placebo, já testado, que a crença de estar medicado e por um bom médico, nos faz recuperar mais fácil de nossos distúrbios físicos e mentais.
 
Agora viver com a confusão mental de que sendo, não sei exatamente quem sou, que mesmo que busque ser, pode ser que não seja o que realmente queira ser, que sabendo o que deveria ser, pode ser que não seja o que a sociedade de mim espere ser, mas tenho que ser, tenho que viver. Que bom, para aqueles afortunados que conseguem convergir parte do que são, com parte do que deveriam ser, com parte do que desejam ser, com parte do que a sociedade deles espera que sejam. Estes são o mais próximo da felicidade que posso imaginar...
 
Retornando, a maldade me é latente, mesmo que a esconda de mim e que tente esconder dos outros, a língua é feroz, a maledicência é um atributo natural que carrego, mas luto por ser diferente, agora tenho a imagem de que não por escolha meramente consciente, mas porque os que invisível sou assim o deliberam. Que peso, não ter total domínio sobre mim, estar na dependência daqueles que desconheço... Mas isto é viver, isto é necessário, isto é existir... Ou pelo menos é assim que leio a realidade do mundo e a realidade do que seja viver, ou melhor é assim que hoje leio, pios que sou um eterno aprendiz, e um eteno mutante mental, pode ser que amanhã tenha leitura diferente, ou pode ser que ainda hoje tenha uma leitura ainda mais radical e profunda desta mesma realidade... Este sou eu, um canalha em corpo humano, e um desconhecido em essência para mim mesmo...
 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 10/08/2013
Código do texto: T4428083
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