AOS PEDAÇOS
Se eu morresse durante o sono
De pronto um anjo me abraçaria
Seria um desses anjos barrocos
Só cabeça e asas
Sem aquelas bundinhas gordinhas
Que ornamentam as igrejas de Minas
Me envolveria em suas brancas penas
E eu morreria aos poucos
Como num profundo sono anestésico
Uma parte de cada vez
Primeiro uma das pernas
Depois a outra
Então já sem meus joelhos
Não poderia rezar
Pois só os humilhados podem orar
Ajoelhados nos frios pisos das igrejas
Meu destino estaria fatalmente traçado
Abriria-se para mim a tal estrada
Sem volta,com apenas um sentido possível
E eu sem poder ajoelhar-me
E sem voz para falar com Deus
Já que a garganta me fora emudecida
Só haveria um caminho provável
As cavernas obscuras do submundo
Em seus caminhos recônditos e insondáveis
Onde os desgraçados vagueiam
Implorando pela graça divina
Abraçaria minhas mazelas
E as carregaria como pedras
Tal qual Dante carregou as suas
Num inferno particular
Por toda a eternidade
E deve carregá-las até hoje
Posto que a eternidade inda não acabou
Aos poucos sumiriam os braços
E sem as mãos
Já não haveria como implorar o amor divino
Irremediável sina me seria imposta
Viver aos pedaços num pedaço de esquecimento.