MILONGA

Tinha acabado de pintar uma tela e enquanto a tinta escorria e formava um mundo novo, sentei e me pus a olhar aquela mistura toda de cores e pensamentos. Puxei da tomada as minhas sinapses e pluguei meu Ipod no volume máximo para abafar toda e qualquer tentativa de invasão de outros ruídos, fechei os olhos e embarquei.

Sentei-me no banco da roda gigante e embora deteste altura, confesso que me diverti vendo meus pés soltos, balançando ao sabor do vento, pulando de uma nuvem para outra, deixando um rastro de poeira colorida atrás de si, esboçando um arco-íris na minha perspectiva.

Quando deu aquele solavanco e travou, meus olhos se perderam na vastidão do mar e aquela calmaria aparente, me deixou indolente, com cara de contente, mas jeito de penitente: em quem votar para presidente?

Uma milonga de amor surgiu no meu fone. Uma beleza triste que marejou meus olhos e fez meu corpo imaginar a poesia de um tango sendo executado. Aqueles corpos altivos, expressivos, sofridos, apaixonados, decepcionados, encantados. A roda andou. A fila também.