Amor e paixão


A paixão ama o corpo, ama o belo, ama o fogo, ama o desejo, ama a cama e deseja o que ama. E o amor? Ama também o corpo, acha belo o que ama, ama a matéria, pois ela materializa o que ama, mas não somente ama o corpo e a matéria, ama a alma vivente, ama o espírito mental, ama o ser que emerge da mente e reside no corpo, e que sem corpo não poderia existir, ama o que vê, mas ama também o que sente, ama com os olhos e ama com a mente, ama a cama e o sexo, mas ama também o olhar, as ações, os pensamentos, ama o fogo do desejo que arde, mas ama desejar a brasa que dá vida ao ser que ama, goza do prazer que é curto, mas se compraz no gozo da companhia que é longo. Sou tentado a dizer que a paixão é passageira, e que o amor é eterno, mas seria mentir o que penso, pela beleza do que entendo que deveria ser, isto não me é justo fazer, ambos são, na verdade, passageiros, talvez um mais breve e o outro mais longo, pois no primeiro não existe construção, existe fogo que arde e que consome, e pelo fogo, pelas reações químicas que na paixão dão vida ao fogo que não existe, tudo se consome, na paixão existe emoção, forte é verdade, mas para o outro, o amor, além da emoção, exige a sua construção, e sua longevidade poderá ser proporcional a sua construção e reconstrução. O fogo que arde na paixão consome, faz fissão, mas o fogo que arde no amor, constrói, faz fusão, seres que se fundem no fogo do amor, pelo menos enquanto ele durar, o fogo que arde na paixão deixa resíduos tóxicos que pode ao longo do tempo destruir a própria fonte do fogo, enquanto que o fogo que arde no amor é limpo, não deixa resíduo tóxico algum, mas requer trabalho, energia e reconstrução eterna. A termodinâmica é valida tanto na paixão quanto no amor, tudo tende naturalmente para o caos, sem aplicarmos energia nada se mantem, nada se cria, a perda é sempre o caminho, mas no amor, volto a lembrar, existe a possibilidade de sempre construí-lo e reconstruí-lo. Isto não é bom e nem ruim, amor e paixão são naturais, cada qual tem sua função, e se chegamos até aqui, como espécie, sem nada de especial no início, foi graças a paixão, ao desejo, a necessidade de reproduzir e sentir prazer, e não podemos virar a cara a algo que nos permitiu deixar descendentes suficientes para hoje existirmos. Mas o cérebro cresceu por evolução e seleção, a mente tornou-se mais complexa e prolixa, e o amor pode nascer como sentimento possível, mas o circuito neural ainda não traz o amor impresso como estrutura básica, precisamos construí-lo, precisamos fazê-lo acontecer, e mais ainda, precisamos fazê-lo perpetuar-se.

 
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 08/11/2013
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