VOU PARAR DE ESCREVER
Vou parar de escrever e ser feliz. Depois de muito pensar sobre o assunto, achei mais ponderado deixar a escrita de lado, ou melhor, para trás, em meio a tantas coisas que a gente faz e depois se envergonha. Também não contarei mais piadas sobre mim mesmo, me chamando de bêbado, vagabundo e mendigo; não posso mais agir assim, devo ser uma pessoa respeitável. Obviamente, não andarei mais barbudo e cortarei o cabelo ao menos uma vez por mês. Passarei a comprar roupas, e não qualquer roupa, mas roupas caras, não porque quero ostentar o que não posso ser, mas “porque elas duram mais”. Vou parar de fumar e beber socialmente somente nos finais de semana.
Não serei mais tão educado com as pessoas, pois as pessoas legais são sempre enganadas. Eu? Vou ser o cara que engana, o cara que persuade e exige seus direitos sobre tudo e sobre todos. Serei respeitado! Largarei a filosofia para cursar algo que realmente dê dinheiro. Vencerei na vida! Convidarei meus amigos para jantares finos e elegantes, onde ostentarei minhas conquistas. Contarei a eles, orgulhosamente, sobre as mulheres com quem me aventuro, mesmo sendo casado; pois um homem sério tem que ser casado, e um homem de verdade deve ter amantes; e se algum deles ousar me recriminar vou rir dele com uma falsa bondade, dizendo que ele tem muito ainda o que aprender.
Meu orgulho não me deixará ter saudade do tempo em que eu era...bem, não lembrarei mais disso. As únicas pessoas que continuarão a me amar são aquelas que devem obrigatoriamente me amar; isso vai fazê-las sofrer e eu vou passar a odiá-las por serem pessoas tão infelizes. Até que em meados de um dezembro qualquer, descobrirei que toda a minha felicidade é mais frágil do que o papel de parede de um cômodo velho, então meterei uma bala em minha cabeça, sem ao menos deixar um bilhete de despedida, pois como vocês sabem, terei parado de escrever.