"Um mundo instigante..."

"Era jovem e gostava de muita coisa que atualmente não gosta mais. Quando tinha suas quedas, não demorava para se animar de novo, e com seu espírito sonhador sequer sentia dificuldade para fazer esta transição emocional. Desde criança tudo o distraia, tudo chamava sua atenção, sempre conseguia se ver fixo em algo; talvez visse um mundo de maneira diferente, talvez não visse o mundo – talvez ambos não se vissem.

Atraia-se muito mais pelo simples, o que atualmente chamaria de “bobo”, de “inocente” e tinha suas energias sugadas por seu próprio espírito aventureiro, coisa que hoje quem faz é a rotina, algo nada simples, que parece o desviar de sua própria natureza – um culto ao complexo, ao chato, ao que o deixa louco. Nem sabe mais definir o simples sem usar coisas complexas.

Bobo e inocente é como se define agora parte de sua vida, mesmo inconscientemente, quando naquelas perguntas que se faz sem perceber sobre os por quês de suas ações e pensamentos do passado, se responde: “bom, eu era jovem”.

Agora, após crescer, não se diverte como outrora e pior, sequer compreende o porquê de não se divertir como antes, muito menos o porquê de antes ser tão simples. O que era essa simplicidade toda afinal? Cresceu, e percebe que depois de uns anos se divertir de verdade, sem sentir-se condicionado, levado, afastado de suas individualidades para aquilo que todos fazem por que todos fazem, é um Karma que todos misteriosamente aceitam como diversão e modo de viver.

As aventuras desapareceram, ou será que é ele quem esqueceu de

como é uma?

Lembra-se das borboletas, já foram mais interessantes uma vez, os pássaros que tanto ama ainda hoje [tem alguns em casa, mas se martiriza por seu egoismo em tê-los presos] também já foram mais fantásticos, já os observou com olhos diferentes, que realmente representaram seu espírito. Ao que parece, não se instiga mais por si.

Ja gostou muito da casa da avó, antes já fora um mundo para suas “artes”, mas isto quando não “percebia” ainda “como as coisas são”.

Agora lá é um lugar atrasado, deixado, largado e empoeirado, como um álbum de fotos que só é visto para lembrar de sensações que se perderam no nosso próprio tempo – que foram esquecidas.

Quando jovem tinha suas diferenças, suas individualidades – ou motivos para piada. Nunca fora o mais popular, nunca se vestia como a televisão mandava, sempre foi de ficar enfurnado jogando videogame com amigos, e, aliás, por muito diferir destes estereótipos de “juventude saudável e correta”, também nunca deixara de ser criticado - algo que também nunca dava muita importância. Seu comportamento era diferente, e era então um alvo em sua testa. Talvez nem soubesse o que eram esses moralismos sociais que em consenso formam nossas cabeças desde cedo hoje em dia, não entendesse o que era aceito ou não, ou que era “moderno” em muitas questões de sua vida.

Agora cresceu, o mundo o percebe, o mundo que não é magia como a casa da avó quando fora mais jovem, mas sim aquele velho local onde sua inocência, seu espírito, simplesmente morrem conforme você aprende a cada dia mais matar muitas das sensações mais puras do seu passado, sem perceber - sensações que voltam para lhe perguntar o porquê disto tudo; o mundo que o faz lutar diariamente consigo próprio para continuar existindo, perante si e perante o próprio mundo. Cresceu e percebe que quanto mais conhece do “mundo”, menos conhece de si próprio, mais se mata, mais se trai, e, no fim, percebe também que não compreende nem a si, nem ao mundo.

Quando jovem, sem nada saber da vida, sonhava em ser adulto. Agora adulto, pensando saber alguma coisa, já não sabe nem se sonha, pois até sobre seus sonhos seu ceticismo já estragou suas compreensões.

Aliás, talvez já nem saiba o que é realmente sonhar a estas alturas, algo tão simples, imagine então compreender um sonho [para isto tem seu psicólogo, claro, afinal, ser moderno também admite que interpretem nossos sonhos por nós. “Legal”, tudo o que um psicólogo gostaria que pensassem sobre seu ofício].

Era jovem e não adulto, mas tinha a inocência e a grandeza de seu espírito, o que fazia o mundo parecer muito maior do que agora, quando compreende seus limites, percebe que cresceu [embora não esteja no fim da vida, claro], mas se sente menor perante o mundo do que quando era mais jovem e não entendia nada.

Agora sabe o que é bom, moderno, aceito, mas já não sabe sonhar, “ser grande”, e nem se atreve a fazer alguma coisa que chamaria de inocente mais para frente, tudo por conta de incertezas que também nunca foi de ter. Antes conhecia pouco, tinha menos respostas, mas conseguia responder as duvidas que precisava com algum tempo [coisa que tinha muito], agora, com mais sabedoria, tem muito mais respostas, mas também muito mais duvidas que sua própria cabeça formula, e que parece não conseguir dar conta – o tempo que antes precisava além de agora ser maior, é menor também.

Cresceu, e percebeu que ser inocente é um desafio em que nenhum adulto consegue derrotar uma criança sequer, e sendo considerado alguém esperto perante os valores sociais sentiu então saudades de ser “bobo” novamente. Queria ver seu espírito o guiando como se não houvesse a razão, um desejo que sabia ser pura inocência.

O mundo ficou sério, tirou sua magia, o prendeu, o tornou “alguém” [o que é nada mais do que um condicionamento], o chamou de adulto depois de lhe dizer por longos anos que isto era um prêmio, e então lhe acariciou a cabeça dizendo ironicamente: “Bom menino”, isto é você agora.

No fim, se tornou um “menor” justamente quando poderia ser muito maior do que qualquer um; um “menor” sonhando inocentemente que se tornaria o herói que viu em si certa vez na casa de sua avó, que refletia todos os anseios de sua alma, quando sem conhecer o mundo o achava muito mais instigante."

AyA
Enviado por AyA em 07/01/2014
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