Quem precisa de Sartre?

"Para que serve a filosofia?", pergunta-se o homem comum. "Tenho vivido muito bem sem ela".

De fato, muitos nunca ouviram falar sobre existencialismo ou Soren Kierkegaard, mas ainda assim são pessoas éticas e realizadas. À primeira vista, o pensamento filosófico não parece ser necessário para a felicidade. Seria esta constatação a prova da inutilidade deste para indivíduos comuns?

Imagine, caro leitor, um camponês da Idade Média observando, desdenhoso, as incansáveis pesquisas na área da medicina. Ele ri e se questiona sobre a finalidade de tudo aquilo: quanto tempo estes cientistas desperdiçam! Seu corpo nunca conheceu remédio que não fosse concedido pela natureza, muito menos um procedimento tão invasivo como uma vacina. Ainda assim, ele e toda a sua família são robustos e longevos: apenas três de seus seis filhos morreram na infância e ele alcançou impressionantes quarenta anos.

Antes de julgá-lo como um louco, levemos em conta seu contexto. Ele estava cercado por tantos casos de mortes prematuras causadas pela peste que suas pequenas conquistas - algumas das quais nós chamaríamos de tragédias - são impressionantes, tendo em vista a qualidade de vida considerada normal para a época. Podemos apenas imaginar o seu espanto ao descobrir que alguém pode viver até os setenta anos ou que a mortalidade infantil não é uma fatalidade, sendo facilmente evitável com alguns milagres da era contemporânea.

Aquele que critica a filosofia é como este camponês. Ele possui tudo o que seu entendimento abarca. Encontra-se em frente a um grande muro e admira a sua grandiosidade - os tijolos de mármore resplandescente e sua harmônica disposição; os altos-relevos que poderiam embelezar os portões do Paraíso. Atrás dessa muralha, porém, escondem-se prazeres que o ignorante nunca irá cobiçar, porque não chegará a conhecê-los. O trabalho do filósofo é rasgar o véu da satisfação cotidiana e ajudar o indivíduo a avistar estas alegrias. Há uma mensagem comum a todos eles: o seu cálice transborda, mas quão pequeno ele é!

O asceta pode se consolar com promessas de recompensas no além-túmulo, mas Nietzsche alerta-o que ele está mortificando o que há de mais essencial em sua natureza. Um executivo passa anos gozando de sua vida trivial até ser despertado por Camus, que lhe abre os olhos para a condição absurda da experiência humana e a revolta a esta como a única solução. A dona de casa dedicada, que se sente feliz em ser a personificação do ideal da mulher perfeita, descobriria com Beauvoir que aquilo não é nada além de um aprisionamento do seu verdadeiro eu.

Em suma, o mito do pensador que se debruça sobre questões existenciais que atormentam a humanidade se aplica a pouquíssimos intelectuais em seus gabinetes. Para as massas, o filósofo é aquele que traz uma crise - desconhecida ou aceita como parte essencial da vida - e a supera, ampliando os horizontes da existência humana.