Anteontem

Chega. Já deu, o tempo já correu, nem as sombras estão mais aqui. Tudo aquilo já se foi, aquilo que tanto gostávamos de lembrar, de tentar saborear o que sobrava, que fingíamos ainda possuir, nada disso permanece aqui conosco. O dia já nasceu e só nossos olhos que ainda não notaram, não saíram debaixo das cobertas, não abriram as janelas e deixaram a luz cortante do novo sol entrar. Chegamos ao fim dessa estrada velha, dos mesmos buracos e pedregulhos, das mesmas placas de direção, dos velhos medos e vontades, de achismos sobre o que, afinal de contas, seria de nós. É um novo dia, um novo mundo. Um novo ar enche teus pulmões nesse exato instante, o sangue que teu coração pulsa se renova a cada momento, e a cada passo que tu dá, um caminho novo e inimaginável é gerado. Chega dos velhos amigos, gostos e cheiros, texturas e prazeres sem maldade. A dor está aqui, pronta pra nos agarrar, dilacerar, pisar e cuspir, nos fazer de boneco de pano, de joguete do destino. Ah, destino! O quão tolos temos que ser para realmente acreditarmos nisso? Não, não somos joguetes dele. Somos é do caos. Dos ventos, das vozes, das ações impensadas, dos riscos que corremos com aquela estúpida paixão que teimamos em cultivar. Então, pelo amor de si mesmo, de mim, de ti ou qualquer valor que tu tenhas em sua vida, ponha um fim nisso tudo. Vamos deixar o ontem descansar, nos assistir cair hoje, nos aconselhar pros tombos dos tantos amanhãs que estão por vir. A saudade já fez o seu trabalho por aqui, deu toda a melancolia que uma pessoa pode ter numa vida: agora é hora da adrenalina, do corte não cicatrizado, da voz rouca suplicando por piedade. Vamos sofrer, vamos viver e fingir que, quem sabe, há algum amor em tudo isso, mesmo que lá no fundo saibamos que nada disso passa de uma mentira, mentira das muito bem contadas.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/03/2014
Código do texto: T4740118
Classificação de conteúdo: seguro