Córnea Desacordada

Eu sempre quis me expressar. Sempre achei que essa era a melhor e, provavelmente a única maneira do ar entrar e sair dos meus pulmões numa velocidade em que minha consciência não falhasse. O tempo passou, passou bastante desde que eu descobri isso, e até então, eu não tenho certeza. Segurança, chão, proteção de alguma promessa de vida, de sonho. A única coisa que aprendi nessa minha pequena eternidade de vida foi caminhar. Caminhar, bailar pelos sonhos, brincar no ilusório, mentir pra mim mesma. E agora eu penso se fiz da minha mentira, a minha arte. A minha expressão singular, minha maneira de deixar o sangue correr sem estourar as minhas veias, sem enlouquecer a minha cabeça vazia, largada, perdida. Perdida entre ideias, semi vontades, curiosidades gigantescas, mais medos do que alguém possa contar. Eu aprendi a habitar nesse meio. A respirar, articular palavras bonitas pra agradar com quem converso, tentar fazê-los gostarem de mim, de quem tento ser, talvez até possa um dia ser. Ser outra versão de mim; com mais verdades, mais coragem, beleza autêntica, abraços para poder repousar. Quero ser essa, tento de todas as maneiras que me correm pela mente, minto pra mim, pra ti, pra eles. Pra quem eu amo. E eu te amo, se tu deixar. Deixar eu te sentir, conhecer, ganhar-te e perder-te como num jogo. Mas eu não sou assim. Sou nada além de uma fração de pensamento vagante, errante e medrosa que só espera pelo próximo pretexto. Pretexto pra lhe sorrir pro espelho, pra você, pra paisagem de tons opacos que paira na minha janela todo dia, todo amanhecer de sol frio que me tira da cama, me levanta do chão mais uma vez.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/03/2014
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