Detalhes infelizes

"Então, ela sussurrou um adeus engasgado e foi embora.". Analisar essa frase sozinha faz com que ela não signifique muita coisa... Talvez seja o final de uma história triste. Ou o começo da história de alguém. Mas pra você, leitor, ela assim, jogada nesse texto, não tem a menor importância. Já pra mim, essa frase é a descrição mais simplória da cena que me atormenta todos os dias e todas as noites.

Você pode imaginar que essa cena tenha durado, no máximo, alguns minutos. E talvez tenha sido isso mesmo. Eu não saberia dizer... Na minha cabeça ela se repete por horas, onde cada pequeno detalhe, detalhes que ninguém se lembraria de algo que acontecera no seu dia, aparecem. E por que, então, eu os lembro? Por que não foi simplesmente “algo que acontecera no meu dia”, foi a ação que terminou algo maior que vinha acontecendo por meses. Quiçá por um ano!

E como é horrível fechar os olhos e ver tudo do acontecimento que quebrou meu coração. Os toques intercalados com as frases que ecoam na minha mente.

Esta é a primeira vez da qual me lembro de algo tão detalhado assim. Geralmente as memórias vêm em flashs para mim. Ah, mas não sobre aquele dia frio de Junho. No estacionamento de um shopping no Rio de Janeiro, o vento jogava meus cabelos para todos os lados, enquanto as mãos dela seguravam as minhas. Ela olhava aflita para cima, talvez buscando as palavras certas – o que não funcionou de qualquer maneira. Nenhuma palavra poderia soar correta naquele momento. Então tudo fica preto. Era eu fechando os olhos, com medo do que estaria por vir. Era eu tentando evitar que as palavras chegassem até mim e me contassem a verdade. E então uma mão me largou, senti uma pequena brisa percorrer meu braço até que ela pousasse em minha nuca, depois de alguns segundos segurou-me mais firmemente. Não queria, mas abri meus olhos. Ela mordia a boca. Minha respiração estava ofegante. Nossos olhares se encontravam, o meu suplicando para que ela parasse ali mesmo, não fizesse nenhum gesto a mais, não abrisse a boca para proferir nenhuma palavra que me fizesse sofrer, mas ela não me entendeu. Não conseguiu decifrar minhas súplicas, talvez. Agora a mão que outrora segurava minha nuca estava longe de mim, junta a uma bolsa pequena azul que encostava-se em sua coxa direita. A outra mão, que até alguns segundos atrás segurava minha própria mão, agora enxugava uma lágrima que escorria solitária e doída pelo meu rosto. E eu estava ali, imóvel. Não conseguia fazer nada. Os dedos dela percorreram da minha bochecha até o meu antebraço, quando chegaram ali senti uma pressão, aquele tipo de aperto que você dá em alguém quando quer consolá-lo. Mas tudo o que ela queria era tentar aliviar o peso de sua consciência. Os dedos magros então terminaram de percorrer meu braço e me deixaram somente com a lembrança de sua presença em mim, porém o arrepio permanecia ali.

Demorei somente um dia para lembrar-me de tudo isso. Já outras coisas vinham à tona toda vez que eu analisava a cena de novo em minha cabeça. Como por exemplo, um cílio caído em sua clavícula descoberta. Os fios de cabelo que o vento deixou em sua bochecha. Os dedos beslicando a pele da boca, mas logo parando por medo de sangrar. Os pelos de seus braços arrepiando-se sempre que o vento nos percorria. Mas a pior parte é lembrar de como os olhos dela estavam completamente secos, enquanto os meus, sem que eu percebesse na hora, estavam transbordando.

Sempre que percebo esses detalhes invadindo minha mente novamente, tento me esconder. Se estou em casa, deito em minha cama e grito, usando o travesseiro para abafar meus sons. Grito suplicando para que os berros levem embora minha dor, junto às lágrimas que escorrem sem parar. Imploro para que meus pulmões se cansem o máximo possível, assim fazendo todo o meu corpo sentir o mesmo cansaço. Só assim eu consigo dormir. E cada vez que isso acontece e meus olhos se fecham lentamente, eu peço pra que alguém ouça meus gritos. Minhas súplicas.

Mas ninguém ouve, porque mesmo querendo que sim, eu faço de tudo para que ninguém perceba a confusão dos detalhes rondando minha cabeça.

E mesmo assim, mesmo que alguém ouvisse todos os meus berros, quem entenderia o término de um relacionamento que mal começou? Quem entenderia como é sentir a falta de uma pessoa que nunca fora sua verdadeiramente?

Antes de fechar os olhos por completo, entretanto, um último pedaço daquela maldita cena passa em minha cabeça. O jeito como ela deu dois passos em minha direção, assim ficando somente alguns centímetros de distância, apoiou as duas mãos em meus ombros, colocou sua boca próxima a minha orelha, e então sussurrou um adeus engasgado... O sussurro que agora era um grito que embalava minhas noites mal dormidas.

Luísa S
Enviado por Luísa S em 11/04/2014
Reeditado em 12/04/2014
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