Submersa

Eu já nem sei mais para onde estou indo. Na verdade, acho que eu nunca realmente soube, apenas acreditava em alguma mínima possibilidade além desse lugar, desse presente seco, cru em que estou. Ainda tinha essa inocência, sabe? Gostava de acreditar naquilo tudo, de fechar os olhos e sentir o gosto das minhas mentiras-- ainda gosto. Mas isso foi há tanto tempo já. Ou pelo menos parece que foi, eu sinto essa eternidade entre o calor do ontem e a frieza desses dias nublados aqui. É como se eu tivesse vivido incontáveis vidas, infinitas dores, vontades, amores. E agora eu me esgotei, simples: fui exaurida pelo que fiz comigo mesma, pelo que escolhi e fingi ser, tentei ser e encarnar nesse coração pequeno, miserável de humanidade, de desejo puro, sem maldade. E eu o condeno até o fim; condeno o desejo malicioso, o pensamento sem moral e tudo aquilo que me desvia do primeiro de todos meus rumos. O do afeto, do apego, da simplicidade de ser, no ver, no crer em qualquer coisa além de mim. Mas hoje não, hoje só acredito em mim mesma, nas minhas juras e ilusões, ideias e anseios sem razão. O resto do mundo, por mais lindo e desejável que seja, jamais iria me acolher. Minhas raivas e doenças não cabem nele, elas precisam ser isoladas, refugiadas na minha fantasia, presas e escondidas sob a face de paz custei para projetar. Minha superfície é plena, serena e admirável, só nunca queira ir além. Lá eu não posso e nem sei mentir, apenas alimentar a minha verdade suja e abraçá-la com toda a força que achar em meus braços, já que no fim das contas, eu não sou nada além disso, desse vestígio do que poderia ser alguém de verdade. Quem dera eu ser tudo isso, quem dera eu sentir alguma coisa, qualquer coisa que ao menos me lembrasse de que vivo, que tem ar nos meus pulmões, mesmo que eu nunca consiga os sentir em mim, os sentir carregando meu peso, minha bagagem estúpida daquelas velhas tolices que juntei pelo caminho.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 13/04/2014
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