Consciência

Vai tudo ficar bem, disso eu tenho certeza. Eu sei que daqui é difícil de enxergar, até mesmo de acreditar, mas eu não preciso mais dessa fé tola no incerto. Eu sei, apenas isso. Sei e sinto minha vista doer agora, meus braços cansados, minha voz rouca, minha cabeça doída de tanto pensar, querer resolver, querer ser outra coisa, outra pessoa. E sei que isso não é para sempre. Que isso vai embora, que novos ares sempre estão por vir, nova gente, novas vozes, novos sabores para me surpreender. Antes eu precisava acreditar, a falta de fôlego me fazia, me obrigava a crer nisso tudo, mesmo que a consciência me dissesse o contrário. Hoje não. Hoje eu caminho perfeitamente, enxergo, falo, existo na mais plena segurança de mim mesma, de onde estou e quem está comigo, e é a consciência disso tudo que me sufoca. Mas ao mesmo tempo, é ela que me carrega, carrega meus medos e fúrias, vontades e desânimos, todos aparentemente infinitos em mim. A minha secura que me impede de enlouquecer, minha descrença em mim que me lembra de suspirar, fechar os olhos, descansar a tormenta de retalhos, de coisa perdida, inútil, largada que guardo e levo comigo para todo lado. Eu posso e sinto o mundo todo, toda sua dor e sede, fome de novidade, de gente, de cor. Sinto tudo isso e arrasto feito bagagem, como se tivesse algum direito de ser dona da vida dos outros. Mas a minha já nem lembro mais. Não consigo olhar pra trás e ver algo que valha a pena, procurar em mim algum resquício de humanidade, de vontade, de sentimento banal. Só sujeira, entulho, nada que sirva para mostrar, orgulhar, exibir e sorrir junto. Não tenho nada bonito, reluzente ou comovente, apenas os pedaços do que tentei ser, quis e me obriguei a conseguir, humilhar, mentir. E isso jamais me levará a lugar algum. Mas não a esperança, mas a certeza, a segurança continua aqui: certeza de que o sol ainda pode vir, que os ombros podem e vão ficar mais leves, que a palavra ainda saíra de mim sem sofrimento. Nem sei como ou porquê sei disso, mas tudo bem. Algo ainda virá e será belo o suficiente para fazer parte, encantar quem passar por e junto de mim também. Mas por hoje, me contento com a visão e comodidade de assistir essas vidas todas por aí. Todas tão bonitas, inspiradoras para quem não sabe nada além de querer, de sonhar com o extraordinário, ainda que somente no mais discreto cotidiano sinta algo de verdade. Muito ainda vai vir e eu nem vou perceber, só vou ficar de vigília sonhando com o que não está e nem jamais estará aqui.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 21/04/2014
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