Pelas Frestas de Mim

Eu queria tanto conseguir te amar, cara. Queria demais ser essa pessoa que você tanto fantasia, idealiza, torce para achar em mim. Sabe, eu também sou dessas, dessas sonhadoras sem salvação. Mas o meu sonho é distante demais. Jamais vou conseguir ser o que sonho para mim, muito menos o que você, nessa inocência tão bonita, tão frágil me vê. De tanto imaginar ser outra coisa, outro alguém, virei o inverso: o pesadelo. O seu, o meu, de todos. Aquilo que nada sente, nada quer, nada vê. Só anda, caminha descalça lascando e sangrando a sola dos pés, soltando fumaça ao ousar dizer uma palavra nesse frio incessante. Frio da alma, só pode ser. Há muito que não vejo uma gota de suor, não solto um suspiro de falta de fôlego, não respiro ofegante por ver e fazer tudo muito rápido, muito superficial. Não, agora tudo em que toco, crio uma mísera coragem para olhar e levar como meu é como um poço; um poço de solidão, de pensamentos corriqueiros, de lembranças, da maldição da nostalgia, dos infinitos significados que eu sempre teimo em criar. E é por isso que eu não sirvo para ti. Nem para ninguém, na verdade. Apenas estando só é que consigo respirar, me entender, aceitar e me abraçar como tanto preciso, sempre precisei. Mas nunca consegui isso perto de você nem qualquer outra pessoa - a simples visão dum semblante bonito, suave e sossegado me ameaça, me tortura. Enquanto eu for essa tormenta interna, devo manter-me de janelas fechadas. Até posso resolver espiar pelas frestas só para buscar inspiração para minhas mentiras, mas isso é só. Queria ser de todos, mas no fim, só eu que me aguento e alcanço alguma paz, alguma plenitude dentre todo esse meu caos, minha inatingível perdição.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 22/04/2014
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