Precipício

Não é solidão, raiva, desespero, nada disso. Acho que esse é o problema: não é nada. Não tenho nada, não sinto, nada sou. Não consigo enxergar qualquer coisa real, fazer parte, respirar sem medo, sem razão. Tudo me fere. Tudo é como uma adaga me atravessando, me nocauteando no chão, pisando em meus pulmões, no que restou do meu coração. Eu tento seguir de qualquer maneira, tento falar, caminhar e agir, mesmo que esse esforço não valha nada. Escolho acreditar que vale ou ao menos, possa valer noutro dia, noutros ares. Minha secura já está tão na flor da pele ao ponto de que qualquer mísera brisa que passar, me assoprará longe. Levará qualquer resquício de gente, de vontade, de verdade e humanidade que já possa ter existido em mim--talvez isso já tenha até acontecido. Talvez eu já tenha ido embora, esvanecido pelo vento há muito tempo atrás e só não tenha percebido, ou ainda pior, admitido. Quis ser viva, quis viver; existi no espaço, na ideia e no conceito, mas substancialmente, nunca fui alguém. De tanto tentar, me rasgar, esfolar para imitá-los, ser qualquer sombra de vida, virei o oposto. Aquilo que nada reflete, nada absorve: só repousa no vácuo, na pseudo-vontade de quem sabe, deixar o silêncio e ser, ter alguma coisa mesmo que pequena, insignificante, contanto que pudesse só por um segundo, ser tocada, sentir, sorrir. Deixar de olhar pelas frestas e abrir as portas, deixar o sol entrar e judiar da minha pele, do meu semblante sem cor.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/04/2014
Reeditado em 23/04/2014
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