Queda livre

E no final das contas, o que realmente importa? Aquilo tudo que a gente sonhou, quis com tanta vontade, tanto ardor, serviu de algo? Nós continuamos aqui, sozinhos, sem expressão, vazios. Eu ao menos continuo aqui, perpétua, sem visão alguma além do asfalto seco do outro lado da rua, sem sabor novo, novo toque, nova voz. Só a minha, sempre mais rouca, cansada talvez; falou tanto, cantou, gritou... Deixou-se ir embora assim, em vão. Nunca disse nada valoroso, nunca aqueceu outro alguém com suas palavras, nunca proferiu nada de bonito para ninguém além de si mesma. Eu mesma, minha consciência infeliz que nunca me deixa esquecer quem sou aqui, nesse meio, esse caos todo. Mas sabe, isso é tudo pretexto, o caos lá de fora não me incomoda - pelo contrário, ele me encanta, me seduz, me chama para sair e brincar noite após noite. É o meu caos particular que cria tudo isso. A falta de coragem, de sangue pulsante nas veias, de ar de verdade entrando e saindo dos meus pulmões. Parece que a minha alma já viveu todas as vidas possíveis por aqui, sabe. Como se não houvesse nada de novo para ser visto, sentido, abraçado. E eu não pudesse ir embora, mesmo que não saiba direito o porquê. Talvez porque me apeguei demais ao que já se foi daqui, se foi de mim. Não me resta nada além de lembrar e fingir que tudo ainda está no mesmo lugar, juntinho de mim. Se eu ouso dar um passo fora da minha varanda, é como se não houvesse chão para caminhar: estou em queda livre. E não existe absolutamente fim nenhum me esperando. Não há dor, não há vida, só cair e fechar os olhos torcendo para acabar, para repousar de vez. Mas nem ao menos posso fechá-los, algo sempre os obriga a permanecerem abertos e assistirem os andares, as janelas de vida correndo em sua frente.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 29/04/2014
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