Suspiro venenoso

E mesmo que essa sensação não dure por mais um só segundo, eu não irei largá-la. Ela é minha, fruto da minha paixão que nem mais lembrava que existia, das memórias que vem e vão para me assombrar, das vontades que brincam comigo todo dia, o dia todo. Ela é passageira, traiçoeira, ardilosa. Me engana, diz que vai ficar, me carregar para além desse horizonte, me promete mil paraísos para viver e morrer na sua certeza, e me faz esquecer que vai embora. Que me deixa, abandona, finge que não estou aqui e me esquece para ir com o vento, o tempo impiedoso, a realidade que eu me recuso a aceitar. Maldita seja ela, essa energia vaga, sem razão, que me arrasta, esfola, humilha. Vai-te, some daqui e me deixa respirar naquela paz nem que só uma vez. Deixa eu acreditar que estamos todos bem, abraçar minha consciência sem medo, fazer teus caprichos, ser serva da verdade, dar dor desse chão áspero, seco e acima de tudo, meu. Porque não posso acreditar que tem jeito, que essa inocência vai passar, que posso sim enfrentar-me de uma vez por todas? O desejo faz de mim fraca, feia, podre. Podre de misericórdia alheia, minha, da vida, do ar-- não quero mais isso. Quero a segurança do meu mundo, do que posso ser, de fechar os olhos e até que enfim, não ceder ao sonho infeliz, sonho sem fundo, paisagem, verdade. Da vida não quero a beleza, e sim a sujeira do asfalto cheio de marcas, de vestígios, de gente perdida e gente corrida. Mas não, maldita seja ela, a incessável esperança: a ilusão me corta e me sangra feito rotina e da dor me alimento. Da tolice de achar que talvez, só por um momento eu possa viver no infinito, no meu plano perfeito. Eu mereço a dor e o instante do prazer, afinal fui só eu que os senti e escolhi com toda a culpa desse mundo, meu mundo cínico, meu mundo sujo.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 09/05/2014
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