Minha mentira

Cara, vem cá e me explica porque tudo está assim. Me agarra pelo braço, me força a ver o que não quero, grite quando eu tapar meus ouvidos de covardia, faça o que tiver que fazer, só não me deixa cair de novo nesse abismo. Não me deixa ser dona de mim mais uma vez, não me dê essa maldita certeza nas mãos: eu quero errar. Quero errar no teu colo, te confundir com minhas palavras sussurradas, quero me reconfigurar, reinventar, renascer. Estou é limpa, certa, segura demais, isso sim. Cadê a minha dor, o asfalto que me ralou os joelhos, os motivos das minhas raivas, meus caprichos e vontades imaturos? E eu, aonde estou? É como um céu, uma fortaleza inatingível em meio as nuvens e daqui só posso assistir essas vidas gigantescas de vocês, mas que para mim, são maquetes. Planos perfeitos de ideias, de utopia, tudo que eu finjo sentir e pertencer, mas que sei que não passo de uma espectadora fracassada. Não estou no seu caos, na sua dança, seu chão íngreme e cheio de passos falsos, de gramas ao lado sempre mais verdes do que a sua. Engraçado como o desejo pode ser a coisa mais fácil e ainda assim, delicada de uma pessoa - eu vejo, eu quero, eu sonho e penso que sou. Mas será que é verdade? Ando achando que não. Sou só vítima do meu medo, da minha vontade escondida, da minha orgulhosa cautela que finge ignorância sobre o quão patética realmente é. Sou forte, sou dura, inalcançável no meu pedestal irreal de sabedoria, de saber quem sou e, da maneira mais impossível, cultivar algum amor por isso. Mas não, nunca foi assim e eu sei; sei o quão sozinha, cega e perdida estou, tanto quanto qualquer que passe por mim, a única diferença é que o meu caos, ninguém conhece, ninguém vê. Não tem como o tocar ou reconhecer a sua existência, nem mesmo para mim. Eu finjo que não sei dele, pois se o aceitar, tampo a última fresta de luz que ainda escapa pela minha porta. E por mais que ela nunca chegue aqui, eu gosto de olhar, de acreditar que a vida está bem ali do outro lado, só esperando a minha coragem dar as caras, dar-lhe a chance de finalmente, se manifestar em mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 23/05/2014
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