Eu só não quero terminar assim, eu simplesmente não posso. Não posso te ver mais uma vez ir embora sem sequer olhar de relance para trás, não posso fingir de novo que está tudo bem, que tu não faz falta. Como faz, cara, como faz. Como eu te queria aqui. Me fazendo rir, esquecendo das minhas desgraças, minhas raivas, minhas mentiras infantis. Eu só o fazia porque queria que tu ficasse. Não sou carente, pedinte por amor nem nada parecido: não, sou nada além de humana. Eu disse a mim mesma infinitas vezes o quão trivial isso tudo foi, que eu o inventei, coloquei na minha cabeça, achei que era de verdade. Mas não cara, não. Tu foi a pior mentira que eu jamais possa imaginar. E eu me odeio por isso, por te alimentar aqui, achar que tinha espaço para ti nesse meu caos, nos meus escombros, nas lacunas que eu esqueci de preencher com fantasias. Aí tu veio com seu resquício de realidade, prometendo a vida, a cor, a razão no impensado, e eu disse "sim". Disse "sim" para ti, para mim, para os olhares e opiniões deles, para o repouso de um caminho aparentemente sem fim de brigas, de sangue, de ódio expressado na quietude. A tua imagem me prometeu o infinito além disso e um pouco mais, desgraça. A sua desgraça foi o meu ar, o meu chão, o meu horizonte para ver depois da neblina desse hoje cinzento, e meu amor, como isso foi bom. Nada jamais poderia fazer-me sentir melhor, em tal êxtase, estado de pura perfeição, plenitude despretensiosa. Sabe, a verdade é que eu te quis e eu te fiz, pronto. Tu nunca foi nada além duma sombra, uma amostra do doce que não pude saborear, a tentação daquilo que só vinha para me provocar: e eu, sendo essa inconsequente sonhadora, deixei o ilusório me pegar. Ele me envolveu e alimentou, me fez voar. E por hoje, continuo aqui, voando, largada nesse ar poluído, sem jeito de destino bonito mais além. Mas sabe, sem problemas-- se eu criei o prazer que tu não me deu, ele reside em mim. Voa comigo, flutua e se afoga toda vez, apenas esperando eu finalmente abrir os olhos e resgatá-lo.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 24/05/2014
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