Passo em falso

Olha, a verdade é que eu queria tudo aquilo de volta. Aquela simplicidade gostosa, aquele dia comum que sem ao menos eu pedir, trouxe consigo tudo de mais extraordinário que já tive. Tudo pequeno, tudo meu. As músicas que não ficaram mais de um mês, o gosto doce das bobeiras de mercado, a nova amizade, a paixão gigantesca que nascia na quietude do instante, bem na hora em que tudo de se encaixava, estava bem aonde deveria estar. Eu estava bem aonde deveria estar. Estava com o calor do meu próprio abraço, das minhas palavras e de mais ninguém; sabe, eu te queria aqui, é claro. Sempre quis, até nas horas em que não enxergava ou reconhecia isso. Mas eu não precisava: estava tudo bem diante de mim. O futuro, o caminho esperando meus passos e tropeços, o espaço gigantesco da minha mente só esperando para te projetar mais uma vez. E eu o fiz! Milhares, infinitas vezes te coloquei bem aqui ao meu lado, criei e senti seu toque falso, ouvi sua voz, tudo que tinha direito nessa minha mentira, nesse chão ilusório em que tanto confiei. E é claro que cai, pois bem. Tentei andar onde não havia concreto e senti minha queda, vi meus cenários passarem correndo, voando por mim. Mas sabe, depois vi que neles não havia nada. Pelo menos, não a verdade, a luz que eu tanto acreditei e cultivei dentro de mim, não. Ela estava lá, no momento minúsculo entre a realidade e a ilusão, entre a paz e a solidão que sempre carregava comigo. O estar, o ser tudo que jamais poderia querer, aquela plenitude, foi isso. Foi isso e foi lá, naquela fração de segundo que empilhei as peças do meu mundo, uma por uma, só construindo algo para me proteger da chuva. Chuva de realidade, de vida, de dureza que é negar o impulso de sonhar. Mas esse impulso, ah, esse eu não nego, não mais - é entre ele e o cansaço do agora em que respiro, existo e sinto de uma vez por todas, que raios estou fazendo aqui. Sonhando, só isso, e para mim, nada poderá jamais ser mais valoroso.