Vai-te daqui

Você não me pertence, eu sei disso. Sei muito bem da sua vida, o quão cheia e colorida ela é e sei mais ainda, mesmo que dolorosamente, que não faço parte dela. Sou só aquele vulto, sabe? Aquela sombra que tu vê de vez em quando ao cruzar um corredor, essas coisas. Você é a luz, de verdade. Seu sorriso é tão estranho, cara. Tão surreal. Me diz, de onde ele surgiu? Ou melhor, de onde você surgiu? E como veio parar aqui nesse solo, nesse chão áspero, todo frio, todo duro em que piso todo dia. Volta para lá, é melhor. Vai e me deixa respirar, por favor. Meus olhos estavam perfeitamente acostumados com a penumbra daqui até você aparecer. Agora não quero mais nada além do seu rosto, sua voz, seu toque, ou ao menos o que eu imagino que ele deva ser. Como deva ser, isso sim. Macio, calmo, daqueles que parecem calculado mas na verdade, doem de tão naturais e despretensiosos que são. Eu não te amo, que isso fique bem claro. Eu apenas te quero aqui, por aqui, junto de mim. Sabe, já me cansei da solidão, e o sonho... Ah, o sonho são outros quinhentos. Ele é, sempre fui tudo que eu tive, tudo que eu fui. E não me arrependo disso, amo o que criei, fiz para mim mesma, me permiti sentir por mim mesma. Mas tem uma hora que isso nos esgota, que já não é mais suficiente. Pelo menos, era até eu te conhecer. Eu lhe ter por aqueles míseros segundos de atenção, de vontade, de coragem que ninguém jamais irá reconhecer. E cara, isso me faz tão bem. Eu estou perto de acreditar na vida, em mim de novo, e isso é quase um milagre. Mas entre viver no espaço de quase sentir o gosto e nunca o ter, eu prefiro morrer de fome, de sede, de vontade. Prefiro entender, aceitar que você é essa peça inalcançável e apenas ir em frente comigo mesma. Se deixar, eu me alimento dessa ilusão para o resto da minha vida, e é aí que mora o perigo: eu não posso, não devo fazer isso comigo mais uma vez. Entre a força, a solidez da realidade e o acreditar naquilo que jamais acontecerá, eu escolho a dor. Essa vale a pena, no mínimo que seja. Com ela, eu sobrevivo, enquanto contigo e por ti, eu só morro por um amor que lá no fundo, sempre soube que nunca iria existir-- eu morro por nada, e disso já estou farta.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 02/06/2014
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