Sonambulismo

Ah, quem me dera a coragem de fazer, ser tudo isso. Ou nem que fosse um pouco só, já me bastaria. Uma mínima fração de coragem já seria o suficiente para eu sair daqui, sair disso, sair de mim, nem que por só uma vez. Iria conhecê-los, pertencê-los, usá-los como bem entendesse e deixá-los fazerem de mim o que quisessem também. Entenda-me, não quero dizer no mal sentido; apenas por uma vez, queria estar nesse meio, esse caos que são as relações, as vontades, o ter e perder diário das pessoas que corre por aí. Queria dar meu jeito de esquecer, apagar todo esse meu redemoinho infinito de medos, pensamentos, dúvidas e cuidados, apenas ver, reproduzir, conseguir, exibir. E qual o mal disso? Qual, afinal de contas, é o mal de nos permitirmos a essas coisas? Nenhum, eu lhe digo. Ao menos não para mim. Eu nunca o faço, nunca me deixo, me dou essa paz. Sou o mais consciente que uma pessoa pode ser de si mesma, e isso dói. Todos estão sempre querendo, suplicando pelo controle, mas mal sabem eles o quão perigoso ele pode ser; ele tira tudo de nós. Controle, saber, poder demais consigo mesmo, isso destrói. Nos leva num estado além da independência e traz um medo que simplesmente nos corrói. O que não daria para ser dessas que cedem ao impulso, fazem o que querem, o que veem, o que sentem? Ora, o que não daria para ter o luxo de apenas sentir algo de verdade para variar. Só imagino, é isso que eu sei, é isso que eu sou: sonho, o desejo escondido até de si mesmo, a estúpida ilusão. Ilusão do que posso, fui e talvez até serei, de quem esteve comigo e numa realidade louca, alternativa, implausível, ainda estará. Quem sofre, caí e se levanta dos furacões do sentimentos, façam a si mesmos o favor de serem gratos por isso, pela sua dor. Ela é o que lhes define, mostra que estão vivo. Eu só vejo as sombras e imagino quais são as cores reais, e por mais sensato que possa parecer, não é. Se ninguém te vê, quem realmente pode ser? Ninguém, essa é a resposta. E de sonhos, eu garanto, ninguém vive. Uma hora todos querem sentir o verdadeiro gosto da coisa, gosto da vida.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/06/2014
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