Graças

Sabe, acho que se eu me esforçar só pouco, já consigo trazer aquilo tudo de volta. Toda aquela vida, aquele caos que foi embora tão rápido quanto veio; me devastou, nos devastou da maneira mais cruel possível: discretamente. Nós estávamos lá, parados e tentando viver, fazendo o que acreditávamos ser possível e ainda sofrendo isso. Lutando por uma felicidade que víamos tão de longe e parecia que nunca chegaria. Ah, como fomos tolos, todos nós! Durante esse caminho foi que tudo aconteceu, por mais que nós nos recusemos a admitir. Lá que nós fomos verdadeiramente felizes, acredite. Fomos felizes da melhor maneira possível, a despretensiosa, sem vontade, sem projeto na cabeça, sem neura, sem medo estagnando tudo que fazíamos, pensávamos, falávamos espontaneamente para seja lá que estivesse conosco.

Eram os aromas simples do dia-a-dia, as vozes costumeiras que sempre estavam lá para nos cumprimentar, a música repetitiva que nós insistíamos em tocar na cabeça enquanto chegávamos a um lugar qualquer. É tão difícil para nós vermos o valor de tudo isso, não é? Passamos o tempo todo idolatrando o incrível, idealizando, sempre quase saboreando a nossa sonhada perfeição. E não acho que isso esteja errado; é da nossa natureza pensarmos, nos sentirmos assim, sempre incompletos. O presente nunca nos será tão belo quanto na lembrança, e nós sempre iremos querer mais-- e olha, está tudo bem. Essa sede, desejo pelo novo e pelo além, por mais ingênuo e até impossível que possa ser, é o que nos move. Nos faz ir para a frente, para o amanhã e simplesmente sentirmos, levarmos conosco as pequenas peças e retalhos do cotidiano.

Paradoxo dolorido, porém necessário que esse é, o de ser feliz e ainda assim, não possuir a felicidade. Para completar a tragédia, vamos olhar para cá, para o hoje com nostalgia e vontade de voltar, por mais improvável que isso nos pareça. Acho que no final das contas, a nossa única saída é a gratidão. Deixar os tempos passarem e levá-la conosco, não importa a hora, não importa a emoção boba e passageira que esteja em nosso domínio.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 04/06/2014
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