Irreparável

Eu sei que não posso continuar com isso. Que preciso ir em frente, fingir que nada aconteceu e que está tudo bem. E sim, eu posso fazer isso sem problema algum. Mas eu não quero, simples assim. Por tanto tempo fiz o que não queria, me forcei, me privei de tanto prazer sem mal algum que quase sinto merecer esse ilusão que tenho agora. Ela me faz tão bem; é energia, é vontade, é visão além daqui, dessa sujeira do batente da minha janela, do meus olhos embaçados, olhos cansados de toda essa realidade, sabe.

Como eu queria conseguir ser dessas que apenas jogam tudo para o alto e se entregam para o menor dos sentimentos, das sensações de vida. Sem pensar ou questionar, apenas vão! Ao visto daqui, posso dizer, isso é lindo. É utopia, é aquele estado em que sei que jamais conseguirei chegar, é a inveja de quem sonha com todo tipo de vida possível e não possuí nenhuma, nem uma mísera fração dela. E ainda se arrasta assim. Se arrasta, esfola pelo chão áspero, crê em algo tão abstrato, tão distante que quase nos é uma piada de mau gosto.

Ah, quem me dera essa coragem, esse sopro de vida, poder largar de vez qualquer ilusão tola e apenas ir. Ir contigo, com a vida, os desejos e os tropeços, as dores recompensadas que aparecem no caminho. Mas não, eu sei disso; sei perfeitamente bem o que sou e posso ser, nada além da certeza, a segurança, a razão. O consolo de quem sente, a fonte inesgotável de assistência, maturidade, e sabedoria.Sabedoria essa que só eu sei mesmo o quão falsa realmente é.

Mas tudo bem, afinal, fui eu quem escolhi isso. Escolhi assistir, sonhar, projetar e ser somente para mim mesma, todas as belezas e formas de amor que cabem nesse mundo. Só que esse mundo acabou sendo só o meu, e nele ninguém pode entrar, reconhecer, admirar. Adoraria que o fizessem, mas não tem jeito. Então é por isso que não abdico da minha fantasia de maneira alguma: ela é tudo o que eu tenho e algum dia, poderei ter. Sem ela, morro de fome, de sede, de vida. Sem ela, morro nessa minha patética e infinita vontade de viver.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 06/06/2014
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