Última Verdade

É tão estranho comportar tudo isso dentro de si. Parece que não tenho escolha, que é como um dever carregar isso comigo, essas dúvidas, esses esboços de desejos, de obstinação, de sempre estar quase determinada a algo. É como ser vazia e preenchida ao mesmo tempo. Eu te amo, e a ainda assim, mal lembro do seu rosto antes de dormir. Eu quero a sua voz aqui comigo, seu riso, seu toque, mas ainda assim, o medo sempre dá seu jeito de chegar antes e expulsar-te daqui, do pensamento, da menor possibilidade disso tudo ser real. Enquanto eu te quero, eu te afasto, escorraço, proíbo o mínimo sentimento; e sou tola o suficiente para achar que consigo, que tenho esse poder, o de simplesmente exilar-te daqui, exilar-te de mim.

Como eu gostaria que fosse assim, fácil, sem dor alguma. Eu penso, eu entendo, eu sei: não posso ou devo manter essa vontade de criança em mim. Mas enquanto eu sei e domino tudo isso, não deixo de ser tão ingênua quanto possível; você já está aqui há muito tempo, essa é a verdade. Agora tomou só uma forma, ganhou um gosto que eu anseio por provar, ganhou face, jeito, vida. Só que a sua imagem, miragem, ideia sempre esteve aqui, adormecida. Sempre esperando a menor deixa, o menor vão para sair e ser livre, existir, viver e correr por mim, e o quanto antes possível, me corroer também. Me fazer de receptáculo para tudo isso, para essa doença disfarçada de verdade, de energia, de paixão. O quão estúpida tive que ser para acreditar que conseguiria ser mais forte do que isso? Pode me vir esse mar, turbilhão de pensamentos, perguntas e reflexões, basta seu semblante esboçar-se na minha frente que pronto, nada disso vale mais nada; eu não valho mais nada. Todas minhas certezas, orgulhos e vaidades, todos eles correm ralo abaixo e me deixam assim, desnuda, largada, tão vulnerável quanto o possível. Engraçado, você não tenta, nem ao menos sabe o bem e o mal que me faz em paralelo, em paradoxo: me intoxica e revive, me machuca para lembrar de que existo e sim, que ainda posso sentir. Posso e sinto uma infinidade de coisas, todas tão reais e insanas quanto um dia imaginei.

Você que é a real vítima aqui, digamos a verdade. Vive a sua vida, dá seus passos no seu caminho discreto, bonito, distante daqui; foi o meio que minha cerne desesperada e faminta achou para existir, para existir de uma vez por todas e, quem sabe, existir para outro alguém. Eu lhe uso. Uso-o como via, maneira de me lembrar, certificar-me que estou aqui e posso ser sua, de qualquer beleza como a sua que cruzar o meu passo, der-me a chance de sonhar, de querer. Eu sei que não serei, mas enquanto puder, enquanto existir, vou querer, vou tentar. Tentar e cair, me arrastar pela possibilidade distante que tu és, pela mentira gostosa que você, sem querer de maneira alguma, se tornou para mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 09/06/2014
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