Flores

Pois bem, que fique assim então. Você ai, parado, calado, na sua, e eu aqui, te olhando, devorando-te com falsa discrição, segurando a mim mesma para não voar e te deixar perceber. Tem problema não, acredita em mim. Você vai seguir, conhecê-las, abraçá-las e sentir suas cinturas finas, suas vozes repletas de alegria, seus cabelos coloridos com tinta barata. E eu sei cara, elas realmente são lindas. Te trazem tudo que tu pareces precisar, não é? Pelo menos pela noite, pelo hoje.

Isso é bom, é ótimo; essa voracidade da juventude de sair, sentir, possuir mesmo que por pouco tempo outro calor, outra respiração e outro riso tão falso e bonito quanto o seu. É melhor que você vá mesmo, meu amigo. Eu não poderia lhe oferecer isso. Sabe, já tentei, e muito. Tentei ser dessas, essas belezas reluzentes, sorrisos deslumbrantes, mentes cheias de artifícios, de atrações que prendem, que fisgam quem estiver passando sem aviso por aí. Não deu, de verdade. Essa beleza, essa poesia toda não é para mim; eu sempre fui daquelas que se encondem na sombra do que tu gostas, das que passam correndo ao seu lado só para ganhar mais uns segundos para espiar. Para namorar, sonhar e querer-te de longe, bem assim. Fingir que te possuo, mentir para mim mesma que um dia será possível e que o hoje é só provação. Ah, quem me dera ainda conseguir acreditar nessa mentira hoje em dia. Quem me dera essa inocência, esperança, crença boba que, quem sabe, eu sou capaz de te chamar a atenção, ser o semblante que tu queres ver. Mas não, eu sei muito bem que não é verdade: sou o teu chão, aquilo que te alimenta dia após dia, dá-lhe forças sem mesmo você saber. Sou o sentimento verdadeiro, tão verdadeiro, tão cru e desnudo que ninguém quer ver.

Esse sentimento ninguém projeta, sonha, idealiza na cabeça. Ele traz consigo tudo que cabe num amor desse mundo sujo, largado, bonito da maneira mais difícil de se perceber: traz as cicatrizes, o sangue seco na pele, o rosto vermelho de tanto chorar. Traz beleza sim, é claro, mas essa só vem depois-- só vem depois dos que vão além do poente cinzento e veem que sim, existem flores para se colher lá também. Mas essas flores estão lá, intactas, só esperando a coragem, a vontade, a profundidade de quem quer algo, alguém que carrega de tudo, de bom, de ruim, de vivo que possa existir. Comigo só trago o amor humano, aquele áspero e que ninguém está perdendo seu tempo de sonho, de ilusão prazerosa e inconsequente.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 10/06/2014
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