Perdas

Como essas pequenas coisas me trazem memórias, cara. As sensações, vontades que já se foram e fazem-me sentir com mais idade do que tenho, mais sabedoria, vivência do que consigo me lembrar. Parece tudo tão real. As fantasias, os sonhos sem pretensão, o mínimo desejo de sair, sair e viver de uma vez.

Tudo isso já se foi de mim, mas de vez em quando ainda vem e bate na porta, surge no batente da janela e me chama para brincar. Para lembrar, para acreditar que sim, quem sabe ainda há um resquício de toda aquela vida em mim. É como se tivesse mil vidas, mil dores e desamores enterrados comigo, que me impedissem de sair, andar, correr, bailar, conhecer esse mundo, essa gente, essas cores que existem além do que consigo ver daqui. Ah, como gostaria que isso fosse verdade. Que ainda pudesse carregar comigo tudo aquilo, aquela crença indestrutível que tudo ainda pode e irá acontecer, que eu ainda tenho muito o que viver, possuir, ser por aqui. Ser para ti. Quem dera conseguir ainda ter essa ingenuidade, essa ignorância quanto a verdade e sim, deixar tu entrar por aqui, minhas portas, minhas deixas de quem ainda pode tem o que sentir, oferecer, exibir, ostentar de alegria, de vida, de mim. Mas eu sei que não, que isso há muito se fora e agora só me resta o sonhar, o querer escondida, a provação de não poder contar para ninguém. Se eu te amo, esse amor não sairá daqui, eu te garanto. Tu nunca saberás, nunca nem ao menos me verá te olhando de longe, sentirá meu toque, ouvirá alguma verdade na minha voz. Não, por mais que eu queira tudo isso, acreditar, esperar alguma poesia, alguma beleza mesmo que mísera no hoje, isso já se foi. Não consigo mais ter essa inocência, sei do que sou feita e o que jamais seria para você. Então só deixa eu te querer de longe, sonhar e te possuir aqui, na surdida, no escombro do teu salão.

Deixa eu só lembrar de como era bom ainda ser assim, presente e pronta para amar. Para ser, pertencer e deslumbrar os olhos alheios, os que me dessem a chance de mostrar o que tinha em mim, mas há muito já foi-se embora, me deixou vazia, largada, só esperando uma desculpa para mentir e fingir para mim mesma, me dizer que ainda há tempo de recuperar tudo aquilo, ser capaz de sentir e expressar-me para ti mais uma vez.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 10/06/2014
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