Inefabilidade

Sabe, eu te juro, queria conseguir ser assim. Desse jeito bonito que todo mundo gosta, sente compaixão, diz entender; essa gente impulsiva, cheia do que mostrar, de belezas para ostentar, se orgulhar para todo mundo. Deve ser uma vida mais fácil, com mais paz. Sem pensar, sem ser seu pior inimigo, fazer mal a si próprio com o que quer, imagina, tenta ser. Ser alguém assim, vazio, perdido, sem sangue correndo em si, sem aquela respiração ofegante e voz cheia de vontade, de paixão, isso dói. Dói todos os dias olhar para si e não gostar, repudiar o que vê e sabe que não tem como fugir. Você vê essas vidas, todas tão preenchidas com sabores, desamores e histórias para contar e cada um desses passantes é uma adaga lhe rasgando, lhe ferindo de todas as maneiras possíveis. Nada tenho, nada sou; não tenho a admiração de quem vê, os prazeres e até mesmo dores de quem está de fato aqui, doando-se para o mundo, gritando para quem lhe quiser ouvir todas as maravilhas que é e possui. Eu passo, caminho e minto, finjo ter alguma certeza, beleza e valor que alguém possa observar. Mas as minhas mentiras são a minha maior vergonha, são o que me lembram do que sou e jamais poderei ser. Queria eu ser assim, tão livre-- livre de tudo, livre. de mim. Do estar sempre acordada e consciente, de não se permitir o sonho, a ingenuidade do simples querer. Sim, eu os invejo; invejo quem vive assim, nessa brisa, corrente, quem não conta os passos ou mede o tom da voz. Do existir e o viver, eu nunca sentirei o que um deles pode ser. Eu sou isso e assim só posso ir em frente, com essa força inventada e desejo que nunca vai sair da sua jaula. De lá, ele só pode assistir.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 18/06/2014
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