Suplício

Dessas conversas de amor eu já ouvi tanto. Tantas vistas diferentes contando-me de tudo, toques que quase fazem-me sentir tal abraço, tal prazer e esquecimento do arrepio do carinho, aquele primeiro de todos. Quase sofri por eles também, afinal, contam como ninguém; uma voz chorosa, um par de olhos inchados, isso nos chama, arrasta para o seu drama, faz qualquer um de platéia para o seu monólogo quase que infinito. A gente não tem mesmo escolha nessas horas, gosta de sentir a dor, viver a vida pelos outros, nem que só um pouco.

Mas acho que de tanto ouvir, sentir e viver as histórias dos outros, pelos outros, esqueci que também existe a minha, mesmo que cinzenta, pequena, vazia até. Quase vazia, na verdade. Eu já senti, disso eu sei. Senti um universo de coisas tão particulares quanto possíveis, derreti-me, me perdi em muitos rostos, muitos tons de vozes diferentes, muito riso que eu via de longe. E nada disso eu jamais pude contar. Não dava para sussurrar aquilo que pensava, sentia, queria e sonhava com, era absurdo demais. Ainda é, para falar a verdade. Talvez eu não me importe mais, talvez eu precise gritar nesse momento, talvez eu só me sentirei realmente viva no momento em que reconhecerem a minha maldita vivacidade. É de se envergonhar, eu sei. Mas eu desisto de esconder, e se nesse momento eu sinto, respiro, vejo e quero, sonho com o que pode ser o amor, pro inferno de uma vez. Pro inferno com as dúvidas e considerações, as vergonhas, as raivas e batalhas internas, com isso tudo-- eu apenas me recuso a afogar-me mais uma vez nesse oceano que já conheço.

Eu preciso de você. Entenda, não é nem uma questão de amor. De vontade, desejo, paixão, nada disso. Ao mesmo tempo que tu me fazes sonhar da maneira mais insana possível, me põe num estado de consciência que eu nem sabia que existia. Por você, eu estou aqui; por mais que eu fuja para a loucura, para o devaneio imbecil que sempre carrego comigo, eu falo, eu dou meus passos, eu suspiro o mais profundo o possível para estar aqui. Não exatamente contigo, eu sei. Mas apenas a sua imagem, seu semblante já me lembra que estou viva e que ainda corre em mim nem que só mais uma gota de sangue. Contigo eu sonho e eu sei, eu quero e ajo, existo, caminho na corda bamba desses dois mundos, do meu mais íntimo absurdo e da realidade áspera, desenfreada. Um desses dois lados sempre me engoliu. Cuspiu-me no asfalto, deixou-me lá para morrer, para te ver passando e tentar ir atrás e não achar mais fôlego algum. Agora não, agora eu estou aqui, nesse dia, lugar, corpo e certeza de mim, do que posso, quero e tentarei ser com todas as minhas forças. Você me deu esse presente sem ao menos saber. Deu-me vida, esboço de amor. E ao mesmo tempo que isso me sufoca com uma alegria difícil de descrever, também me rasga, dilacera da cabeça aos pés. O que posso fazer para lidar com isso?

Nada. Absolutamente nada, eu me entrego. Me entrego à expectativa, ao querer e perder, levantar-me de joelhos ralados só para cair mais uma vez nos seus pés e suplicar por mais um passo nesse caminho. Eu sei, realmente sei que não há lugar nenhum para eu chegar com tudo isso, mas entenda, eu simplesmente não posso mais largar; se tive chance, ela já passou. Vou respirar como puder, ficar cara a cara com o medo, comigo mesma e tudo que penso naquelas frações de segundo, vou dar a cara à tapa para a vida, o que ela traz, para ti. Você me machuca sem tentar, sem saber nem perceber, mas na mesma proporção faz-me o mais feliz que ainda achei que pudesse ser. Depois de tantos outros, tantos sabores que quis ter e fizeram-me chegar perto o suficiente para me saciar e reconhecer-me como humana, não acreditava mais nisso, na simples natureza da vida, do vento, da gente: amar. E eu estou quase lá, quase me cegando com essa crença que eu sei, sei que será a minha maior perdição. Mas por favor, deixa, faz eu me perder. Eu quero, eu peço e eu preciso disso, do que você se acabou se tornando para mim.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 03/07/2014
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